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Videmus nunc per speculum”: A (des)construção da memória ... - UTP

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escrita pelo ministro geral foi compila<strong>da</strong> com a aju<strong>da</strong> <strong>da</strong>quilo que<br />

ele mesmo ouviu <strong>da</strong> boca <strong>da</strong>queles que estiveram quase sempre<br />

com o bem-aventurado Francisco, e tudo o que se pode saber com<br />

certeza e com provas foi nela inserido com cui<strong>da</strong>do].<br />

Para os historiadores modernos, a decisão <strong>des</strong>se Capítulo geral foi<br />

<strong>des</strong>astrosa, pois, segundo, Le Goff,<br />

(...) os Franciscanos obedeceram de tal forma à ordem de 1266<br />

que buscar manuscritos não <strong>des</strong>truídos será decepcionar-se.<br />

Mas apesar disso, ain<strong>da</strong> é possível es<strong>per</strong>ar <strong>des</strong>cobertas. Desde<br />

a publicação pelos bolandistas 36 , em 1768, <strong>da</strong> Vi<strong>da</strong> conheci<strong>da</strong><br />

como dos Três Companheiros e <strong>da</strong> primeira biografia (Vita Prima)<br />

de Tomás de Celano, pode-se, até hoje, retomar contato com uma<br />

série de manuscritos que limitam – parcialmente – as conseqüências<br />

catastróficas do auto-<strong>da</strong>-fé de 1266 (LE GOFF, 2001, p. 53).<br />

Mas, por que a nova Legen<strong>da</strong> “escrita pelo ministro geral” (“facta<br />

est <strong>per</strong> generalem ministrum”) não poderia conviver tranquilamente<br />

com as legen<strong>da</strong>s antigas? Se foi uma biografia tão celebra<strong>da</strong> dentro<br />

<strong>da</strong> Ordem franciscana, por que seria necessária a promulgação de um<br />

decreto para que as biografias “compostas anteriormente” fossem<br />

<strong>des</strong>truí<strong>da</strong>s, não isentando sequer aquelas “encontra<strong>da</strong>s fora <strong>da</strong><br />

Ordem” (“ubi extra ordinem inveniri poterunt”)?<br />

Fernando Báez, em sua interessante História <strong>da</strong> <strong>des</strong>truição<br />

dos livros, tenta compreender a razão pela qual, em várias civilizações,<br />

<strong>da</strong> antigui<strong>da</strong>de até os nossos dias, o “memoricídio” (BÁEZ, 2006, p. 19)<br />

sempre foi um mecanismo eficaz na manutenção de um determinado<br />

“status quo” ou mesmo numa reestruturação <strong>da</strong>s identi<strong>da</strong><strong>des</strong> sociais.<br />

Para o autor,<br />

(...) ao <strong>des</strong>truir, o homem reivindica o ritual <strong>da</strong> <strong>per</strong>manência,<br />

purificação e consagração; ao <strong>des</strong>truir, atualiza uma conduta<br />

movi<strong>da</strong> a partir do mais profundo de sua <strong>per</strong>sonali<strong>da</strong>de, em busca<br />

de restituir um arquétipo de equilíbrio, poder ou transcendência. (...)<br />

O ritual <strong>des</strong>trutivo, como o ritual construtivo aplicado à <strong>construção</strong><br />

de templos, casas ou qualquer obra, fixa padrões para devolver o<br />

homem à comuni<strong>da</strong>de, ao amparo ou à vertigem <strong>da</strong> pureza (BÁEZ,<br />

Ibid., p. 23).<br />

Um detalhe importante, e que geralmente passa <strong>des</strong><strong>per</strong>cebido, é<br />

que no caso <strong>des</strong>se decreto de 1266, o Capítulo geral presidido pelo<br />

então Ministro geral, Frei Boaventura, não pediu o “bom senso” dos<br />

fra<strong>des</strong> para aceitarem sua nova Legen<strong>da</strong> e tranquilamente deixarem de<br />

lado as antigas biografias. O decreto apelou, em primeiro lugar, para a<br />

obediência dos fra<strong>des</strong> (“<strong>per</strong> obedientiam”).<br />

Como já foi dito acima, a ordem de <strong>des</strong>truir as antigas <strong>memória</strong>s<br />

de São Francisco não poderia deixar um “vácuo hagiográfico” no<br />

seio <strong>da</strong> Ordem. Frei Boaventura teve, assim, que justificar porque<br />

estava executando, guar<strong>da</strong><strong>da</strong> as devi<strong>da</strong>s proporções, uma espécie<br />

de “<strong>da</strong>mnatio memoriae” 37 . No prefácio <strong>da</strong> Legen<strong>da</strong> Maior, já era<br />

possível encontrar uma pista <strong>da</strong> intenção do Ministro geral quando<br />

este escreveu, esclarescendo porque motivo sua narrativa sobre a vi<strong>da</strong><br />

de São Francisco não seguia a ordem cronológica dos eventos, mas era<br />

distribuí<strong>da</strong> numa lógica temática de cunho mais místico-teológica. A<br />

justificativa se encontra na expressão “para evitar confusão” (“propter<br />

confusionem vitan<strong>da</strong>m”) (LM, Prólogo, 4).<br />

Fica claro, assim, que a ordem de <strong>des</strong>truição <strong>da</strong>s biografia<br />

anteriores a 1266 se <strong>da</strong>va, ao menos na intenção e nos objetivos de<br />

Frei Boaventura, para o “bem” dos fra<strong>des</strong>, isto é, para que as várias<br />

imagens do santo não os confundissem em sua trajetória espiritual,<br />

tanto individual quanto comunitária.<br />

Continuando a análise do referido decreto de 1266, observamos<br />

que mesmo justificando a atitude de <strong>des</strong>truir as antigas biografias em<br />

Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 39<br />

| História | 2011

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