Videmus nunc per speculum”: A (des)construção da memória ... - UTP
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mais tarde, com a bula Quase lignum vitae, de 14 de abril de 1255,<br />
concedendo um triunfo completo aos Mendicantes.<br />
Não é preciso dizer que estas últimas bulas papais suscitaram<br />
revoltas no meio universitário. O ambiente, que já não era muito<br />
amistoso, tomou proporções mais violentas, inaugurando um segundo<br />
momento dos ataques contra os fra<strong>des</strong> dominicanos e, principalmente,<br />
franciscanos, isto é, questionando os próprios fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong><br />
existência <strong>des</strong>sas ordens religiosas.<br />
Assim, não demorou muito para que as disputas saíssem dos muros<br />
<strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de e tomassem proporções maiores. Os Mendicantes<br />
foram, então,<br />
acusados de usurpar as funções do clero: a confissão e enterro<br />
especialmente; de serem hipócritas que buscam prazer, riqueza,<br />
poder (...); e, finalmente, de serem heréticos: seu ideal de pobreza<br />
evangélica é contrário à doutrina de Cristo e ameaça de ruína a<br />
Igreja (LE GOFF, Ibid., p. 131).<br />
Como a querela contra os franciscanos havia se tornado um<br />
problema de ordem dogmática, isto é, de cunho teológico baseado na<br />
revelação cristã, os mestres seculares se tiveram que se apoiar nas<br />
antigas idéias heréticas do monge Joaquim de Fiore34 que pregava a<br />
inauguração de uma nova Era, a Era do Espírito Santo, que, por sua<br />
vez, acabou sendo identificado por uma parte dos franciscanos como<br />
aquela inaugura<strong>da</strong> pela fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Ordem de São Francisco de<br />
Assis. Em sua Expositio su<strong>per</strong> Apocalipsim (Exposição sobre o Livro do<br />
Apocalipse), Joaquim de Fiore havia construído até uma cronologia sui<br />
generis sobre a história <strong>da</strong> salvação. Afirmava o monge que<br />
(...) primeiro dos três estados é aquele que se <strong>des</strong>envolve sob o<br />
domínio <strong>da</strong> lei [mosaica], quando o povo do Senhor, ain<strong>da</strong> infantil,<br />
servia sob o controle dos elementos <strong>des</strong>te mundo, incapaz de alcançar<br />
aquela liber<strong>da</strong>de de espírito, <strong>des</strong>tina<strong>da</strong> a fulgurar quando aparecesse<br />
aquele que disse: se o Filho vos liberta, sereis ver<strong>da</strong>deiramente<br />
livres. O segundo dos três estados é aquele que teve início com o<br />
Evangelho e ain<strong>da</strong> <strong>per</strong>dura, em liber<strong>da</strong>de sem dúvi<strong>da</strong>, se confrontado<br />
com o estado precedente, mas não em liber<strong>da</strong>de se se pensa no<br />
futuro, pois diz o apóstolo: conhecemos agora em parte e só em<br />
parte profetizamos, mas quando chegar a <strong>per</strong>feição, tudo aquilo que<br />
é parcial será anulado (1 Cor 13,13). O terceiro estado terá início<br />
pelo fim do século [1199], não mais sob o véu opaco <strong>da</strong> letra, mas na<br />
plena liber<strong>da</strong>de de espírito, quando, anulado e <strong>des</strong>truído o pseudoevangelho<br />
do filho <strong>da</strong> <strong>per</strong>dição [o anticristo] e dos seus profetas,<br />
aqueles que inculcam no seio <strong>da</strong>s massas e senso <strong>da</strong> justiça serão<br />
semelhantes ao esplendor do firmamento e <strong>da</strong>s estrelas eternas<br />
(FIORE, Apud SILVEIRA, 2000, p. 15).<br />
Para o historiador italiano, Marco Bartoli, o próprio Guilherme de<br />
Santo Amor partilhava <strong>da</strong>s ideias joaquimitas e também tinha convicção<br />
de que o mundo estava vivendo sua última Era, aguar<strong>da</strong>ndo a chega<strong>da</strong><br />
do Anticristo. Entretanto, para ele<br />
(...) a prova de que o Anticristo estaria por chegar é que seus filhos<br />
já haviam chegado: são os fra<strong>des</strong> menores, que são hipócritas,<br />
pois dizem ser pobres; na reali<strong>da</strong>de, porém, roubam os ver<strong>da</strong>deiros<br />
pobres, tirando as esmolas <strong>da</strong>queles que delas precisam (BARTOLI,<br />
Apud. MOREIRA, 2007, p. 73).<br />
O rei de França, Luis IX (o São Luís) era amigo dos fra<strong>des</strong><br />
franciscanos e não quis se posicionar diante <strong>des</strong>ta disputa, mesmo<br />
tendo consciência de que a Universi<strong>da</strong>de de Paris trazia muito brilho<br />
ao seu reinado. Pela sua neutrali<strong>da</strong>de, o rei também não <strong>per</strong>maneceu<br />
imune aos ataques sendo acusado de ser um brinquedo nas mãos dos<br />
franciscanos.<br />
E os estu<strong>da</strong>ntes universitários? De que lado ficaram? Para Le Goff,<br />
eles ficaram divididos e hesitaram em tomar partido, já que “muitos<br />
eram sensíveis às vantagens do ensino dos mendicantes, mais ain<strong>da</strong><br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 36<br />
| História | 2011