Videmus nunc per speculum”: A (des)construção da memória ... - UTP

de Bagnoregio, principalmente naquilo que dizia respeito à escrita de
uma “verdadeira” Vita de São Francisco de Assis?
3.1 Frei Boaventura de Bagnoregio e as
tribulações internas e externas da ordo minorum
Por que hoje se diz, entre os historiadores do franciscanismo
primitivo, que o governo de Frei Boaventura de Bagnoregio marcou
profundamente a história da hagiografia franciscana? Por que suas
atitudes e decisões polêmicas marcaram de tal forma a identidade
da Ordem franciscana (cujos ecos seriam sentidos até os nossos
dias) fazendo com que alguns estudiosos chegassem a até a arriscar
considerá-lo um “segundo fundador” deste movimento? Para que se
possam esboçar algumas respostas, faz-se necessário adentrar no
contexto histórico onde se inseriu o projeto formativo boaventuriano.
Boaventura de Bagnoregio nem sempre assim se chamou. Seu
nome de batismo era João de Fidanza, e recebeu o nome pela qual
ficou conhecido somente depois de ter ingressado nas fileiras dos
frades de São Francisco de Assis. Nasceu em Civita, hoje um distrito
de Bagnoregio, entre os anos de 1217 e 1218. Antes de entrar para
a Ordem franciscana, já com vinte e cinco anos de idade, estudou
Filosofia na Universidade de Paris, de 1236 a 1238, sendo laureado23 em Artes em 1243. Foi aluno de Teologia do grande mestre Alexandre de
Hales, conseguindo licenciatura e permissão de exercer seu magistério
no ano de 1253. Frei Boaventura foi professor do Studium parisiense
na qualidade de bacharel bíblico e mais tarde como mestre-regente de
1253 a 1257.
Como se pode suspeitar, quando Frei Boaventura foi eleito o novo
Ministro geral da Ordem franciscana, em 1257, sequer possuía uma
visão de conjunto do que tinha se transformado o movimento fundado
por São Francisco de Assis. Frei Boaventura era um intelectual, um
dos maiores expoentes, ao lado de Tomás de Aquino, do pensamento
teológico medieval.
Mesmo assim, “sem hesitação alguma, ao que parece, Frei
João24 teria indicado Frei Boaventura de Bagnoregio, julgando-o
“o melhor” entre todos que ele conhecia” (MERLO, 2005, p. 117).
Curiosamente, mais tarde, o ex-Ministro geral, João de Parma, foi
acusado e condenado pelo próprio Boaventura por ser simpatizante
das proposições heréticas joaquimitas25 Imediatamente depois de ser eleito para o governo geral da
Ordo Minorum, para a surpresa de todos, Frei Boaventura escreveu
e publicou uma carta onde expôs os dez defeitos que, segundo ele,
estariam corrompendo a Ordem. Em linhas gerais, estes dez desvios
poderiam ser elencados da seguinte maneira:
1. A multiplicação dos trabalhos que implicavam dinheiro, o qual era
recebido e manipulado de forma imprudente;
2. A preguiça dos frades que os levava a adotar um gênero de vida
que não era nem contemplativo nem ativo;
3. Os pedidos inoportunos de esmolas que levavam os frades a serem
temidos pelos viajantes, como se fossem ladrões;
4. A vadiagem de alguns frades;
5. A construção de casas muito caras;
6. As familiaridades suspeitas com mulheres;
7. A atribuição de cargos aos frades que eram incapazes de os
desempenhar;
8.
O desvio de testamentos e de sepulturas;
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 32
| História | 2011