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Videmus nunc per speculum”: A (des)construção da memória ... - UTP

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de São Francisco na França e em alguns outros países. Juliano de<br />

Spira, antes de entrar para a Ordem franciscana por volta de 1226, era<br />

mestre de música na corte do rei de França. Com to<strong>da</strong> sua habili<strong>da</strong>de<br />

musical compôs, provavelmente antes de 1235, um Officium Sancti<br />

Francisci, também conhecido como Officium Ritmicum, que ficou muito<br />

famoso na época, uma vez que cinqüenta e cinco manuscritos antigos<br />

deram testemunha de seus versos. O Officium, de Juliano de Spira, foi<br />

inserido na liturgia oficial <strong>da</strong> Ordem, mas, no Capítulo Geral de 1260<br />

teve que ser corrigi<strong>da</strong>, já que era basea<strong>da</strong> numa imagem “negativa” <strong>da</strong><br />

juventude de São Francisco apresenta<strong>da</strong> na Vita I de Celano. Assim, se<br />

na estrofe original podia-se cantar:<br />

Hic vir in vanitatibus<br />

Nutritus indecenter<br />

Plus suis nutritoribus<br />

Se gessit insolenter.<br />

(“Este homem, nas vai<strong>da</strong><strong>des</strong><br />

Educado indecentemente,<br />

Mais que seus pais<br />

Portou-se insolentemente”).<br />

A partir <strong>da</strong>s correções, ficava claro a intenção de salvaguar<strong>da</strong>r uma<br />

imagem mais “positiva” de São Francisco:<br />

Hic vir in vanitatibus<br />

Nutritus indecenter<br />

Divinis charismatibus<br />

Praeventus est clementer.<br />

(“Este homem, nas vai<strong>da</strong><strong>des</strong><br />

Educado indecentemente,<br />

Por divinos carismas<br />

Foi prevenido clementemente”).<br />

Claramente se pode observar que to<strong>da</strong>s essas biografias de São<br />

Francisco não poderiam ser li<strong>da</strong>s nem sequer construí<strong>da</strong>s sem que se<br />

levasse em consideração o “sitz im Leben” ou o contexto histórico <strong>da</strong>s<br />

narrativas e a <strong>per</strong>cepção dos fra<strong>des</strong> e do povo devoto que as leriam.<br />

Roger Chartier chama atenção para este cui<strong>da</strong>do quando afirma que “a<br />

o<strong>per</strong>ação de <strong>construção</strong> de sentido efetua<strong>da</strong> na leitura (ou na escuta)<br />

como um processo historicamente determinado cujos modos e modelos<br />

variam de acordo com os tempos, os lugares, as comuni<strong>da</strong><strong>des</strong>” devem<br />

ser compreendidos juntamente com as múltiplas significações de uma<br />

narrativa que “dependem <strong>da</strong>s formas por meio <strong>da</strong>s quais é recebido<br />

por seus leitores (ou ouvintes)” (CHARTIER, 1991, p. 178).<br />

Durante quase cinco séculos, to<strong>da</strong>s as biografias de São<br />

Francisco apresenta<strong>da</strong>s e analisa<strong>da</strong>s neste capítulo <strong>per</strong>maneceram<br />

<strong>des</strong>conheci<strong>da</strong>s. Somente no final do século XVIII, alguns pesquisadores,<br />

revirando antigas bibliotecas, arquivos e mosteiros situados em sua<br />

maior parte na Itália, conseguiram <strong>des</strong>cobrir essas vitas escondi<strong>da</strong>s<br />

em antigos códices e manuscritos que, para surpresa de todos,<br />

questionavam uma imagem oficial de São Francisco produzi<strong>da</strong> por<br />

volta de 1260. Mas, por que motivo estes rostos do santo de Assis<br />

tiveram que ser <strong>des</strong>truídos?<br />

3 O LUGAR DA MEMÓRIA DE SÃO<br />

FRANCISCO NO PROJETO BOAVENTURIANO<br />

A análise até aqui proposta, de forma brevíssima, mas nem por<br />

isso su<strong>per</strong>ficial, sobre os vários “rostos” de São Francisco de Assis,<br />

construídos especialmente na primeira metade do século XIII, convi<strong>da</strong><br />

a uma reflexão mais profun<strong>da</strong> sobre o papel <strong>da</strong> <strong>memória</strong> na produção <strong>da</strong><br />

História. To<strong>da</strong> a discussão fomenta<strong>da</strong> naquela época entre hagiógrafos<br />

Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 30<br />

| História | 2011

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