Videmus nunc per speculum”: A (des)construção da memória ... - UTP
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(...) queria que os ministros <strong>da</strong> palavra de Deus fossem tais que<br />
se entregassem totalmente aos estudos espirituais, sem ser<br />
impedidos por outros cargos. Dizia que tinham sido escolhidos por<br />
um grande rei para transmitir aos povos as palavras recebi<strong>da</strong>s de<br />
sua boca. E afirmava: “O pregador tem que haurir primeiro nas<br />
orações feitas em segredo aquilo que depois vai derramar em<br />
palavras sagra<strong>da</strong>s. Tem que se afervorar primeiro por dentro, para<br />
não proferir palavras frias” (2 Cel 163).<br />
Em relação à busca <strong>des</strong>enfrea<strong>da</strong> pela ciência por parte de alguns<br />
fra<strong>des</strong>, o santo se mostrava sempre muito <strong>des</strong>gostoso, chegando<br />
algumas vezes até ao ponto fazer profecias sobre o <strong>per</strong>igo que os<br />
estudos poderiam trazer para a sua Ordem. Celano, então, traçou um<br />
São Francisco que<br />
(...) sofria quando a ciência era procura<strong>da</strong> com <strong>des</strong>prezo <strong>da</strong> virtude,<br />
principalmente se não <strong>per</strong>manecia ca<strong>da</strong> um na vocação a que tinha<br />
sido chamado <strong>des</strong>de o começo. Dizia: “Os meus irmãos que se<br />
deixam arrastar pela curiosi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ciência vão se encontrar de<br />
mãos vazias no dia <strong>da</strong> retribuição. (...) Porque virá uma tribulação<br />
em que os livros não vão servir para na<strong>da</strong>, e serão jogados nas<br />
janelas e nos <strong>des</strong>vãos”. Não dizia isso porque não gostasse dos<br />
estudos <strong>da</strong>s Escrituras, mas para afastar a todos dos estudos<br />
supérfluos, pois preferia que fossem bons pela cari<strong>da</strong>de e não<br />
sabidos por curiosi<strong>da</strong>de. Pressentia que não tar<strong>da</strong>riam a vir tempos<br />
em que a ciência seria ocasião de ruína, enquanto o espírito seria<br />
uma base sóli<strong>da</strong> para a vi<strong>da</strong> espiritual. A um irmão leigo que foi<br />
pedir sua licença para ter um saltério deu cinza em vez do livro (2<br />
Cel 195).<br />
Como se pode notar, na Vita II de Celano, o problema dos estudos<br />
na Ordem sempre girava em torno <strong>da</strong> questão do poder. Para São<br />
Francisco, o nome por ele mesmo escolhido para o movimento que<br />
fun<strong>da</strong>ra – Ordem dos Fra<strong>des</strong> Menores – deveria marcar indelevelmente<br />
to<strong>da</strong>s as ativi<strong>da</strong><strong>des</strong> dos fra<strong>des</strong>. Para ele, a busca pelo poder, numa<br />
Ordem como a sua que crescia exponencialmente por to<strong>da</strong> a Europa,<br />
poderia facilmente significar um rompimento com esta “menori<strong>da</strong>de”<br />
que tanto prezava. Sobre a “menori<strong>da</strong>de”, explicava Celano, na Vita<br />
I, que<br />
(...) de fato, eram menores, porque eram “submissos a todos”,<br />
sempre procuravam o pior lugar e queriam exercer o ofício em que<br />
pu<strong>des</strong>se haver alguma <strong>des</strong>onra, para merecerem ser colocados<br />
sobre a base sóli<strong>da</strong> <strong>da</strong> humil<strong>da</strong>de ver<strong>da</strong>deira e neles pu<strong>des</strong>se<br />
crescer auspiciosamente a <strong>construção</strong> espiritual de to<strong>da</strong>s as<br />
virtu<strong>des</strong> (1 Cel 38).<br />
São Francisco sabia bem que uma organização hierárquica era<br />
inevitável para sua Ordem – preocupação já exposta na Vita I, por isso<br />
(...) <strong>per</strong>cebendo que muitos queriam alcançar cargos e honrarias<br />
e detestando sua temeri<strong>da</strong>de, tentou afastá-los <strong>des</strong>sa peste por<br />
seu próprio exemplo. (...) [Dizia aos fra<strong>des</strong> que] (...) não deveriam<br />
ambicionar cargos mas temê-los. O que possuíam não devia<br />
orgulhá-los, mas humilhá-los, e o que lhes fosse tirado não os devia<br />
abater mas exaltar. Sofria porque alguns tinham abandonado os<br />
primeiros trabalhos e se haviam esquecido <strong>da</strong> simplici<strong>da</strong>de antiga<br />
para seguirem novos rumos. Queixava-se dos que no começo tinham<br />
procurado com ardor as coisas do alto, mas tinham acabado por<br />
cair em ambições vulgares e terrenas e, deixando as ver<strong>da</strong>deiras<br />
alegrias, corriam atrás de frivoli<strong>da</strong><strong>des</strong> e ambições, no campo <strong>da</strong>s<br />
pretensas liber<strong>da</strong><strong>des</strong> (1 Cel 104).<br />
Em um episódio dramático <strong>da</strong> Vita II, Celano narrou o momento em<br />
que São Francisco, mesmo que sob a justificativa <strong>da</strong>s enfermi<strong>da</strong><strong>des</strong> que<br />
o assolavam, mas, principalmente por ter compreendido a ver<strong>da</strong>deira<br />
causa dos conflitos dentro de sua Ordem, isto é, a busca pelo poder,<br />
re<strong>nunc</strong>iou ao cargo de su<strong>per</strong>ior geral e o conferiu a Frei Pedro Cattani,<br />
<strong>des</strong>abafando:<br />
(...) “Desde agora, estou morto para vós. Mas aqui está Frei Pedro<br />
Cattani, a quem obedeceremos eu e vós todos”. E inclinando-se<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 27<br />
| História | 2011