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Videmus nunc per speculum”: A (des)construção da memória ... - UTP

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Em outro episódio, Celano apresentou um São Francisco que se<br />

incomo<strong>da</strong>va tanto com as construções maciças feitas pelos fra<strong>des</strong><br />

quanto com mesa farta ao redor <strong>da</strong> qual estes se sentavam. Um dia,<br />

na Páscoa, os fra<strong>des</strong> haviam preparado um mesa suntuosa e<br />

(...) quando o santo pai <strong>des</strong>ceu de sua cela e foi para a mesa, viu-a<br />

arruma<strong>da</strong> em lugar elevado e ostentosamente enfeita<strong>da</strong>: to<strong>da</strong> ela<br />

ria, mas ele não sorriu. Voltou às escondi<strong>da</strong>s e devagarinho, pôs na<br />

cabeça o chapéu de um pobre que lá estava, tomou um bordão e<br />

foi para fora. Es<strong>per</strong>ou lá fora à porta até que os fra<strong>des</strong> começaram<br />

a comer, porque estavam acostumados a não es<strong>per</strong>á-lo quando não<br />

vinha ao sinal. Quando iniciaram o almoço, clamou à porta como um<br />

pobre de ver<strong>da</strong>de: “Dai uma esmola, por amor de Deus, para um<br />

<strong>per</strong>egrino pobre e doente”. Os fra<strong>des</strong> responderam: “Entra, homem,<br />

pelo amor <strong>da</strong>quele que invocaste”. Entrou logo e se apresentou aos<br />

comensais. Que espanto provocou esse <strong>per</strong>egrino! Deram-lhe uma<br />

escudela, e ele se sentou à parte, pondo o prato na cinza. E disse:<br />

“Agora estou sentado como um frade menor”. Dirigindo-se aos<br />

irmãos, disse: “Mais do que os outros religiosos, devemos deixarnos<br />

levar pela pobreza do Filho de Deus. Vi a mesa prepara<strong>da</strong> e<br />

enfeita<strong>da</strong>, e vi que não era de pobres que pedem esmola de porta<br />

em porta”. O fato demonstra que ele era semelhante àquele outro<br />

<strong>per</strong>egrino que ficou sozinho em Jerusalém nesse mesmo dia de<br />

Páscoa. Mas, quando falou, deixou abrasado o coração de seus<br />

discípulos (2 Cel 61).<br />

O cui<strong>da</strong>do pela pobreza, diligentemente observado pelo São<br />

Francisco apresentado na Vita II, não se resumia, como se vê, somente<br />

às moradias dos fra<strong>des</strong>, mas até ao feitio de suas camas, bem<br />

recor<strong>da</strong>do por Celano ao contar que<br />

(...) era tão grande a pobreza em questão de camas e cobertas, que<br />

alguém que tivesse algum pe<strong>da</strong>ço de pano gasto para pôr em cima<br />

<strong>da</strong> palha achava que estava ocupando um leito nupcial (2 Cel 63).<br />

Nos anos quarenta do século XIII, a presença de mestres e<br />

estu<strong>da</strong>ntes franciscanos e dominicanos nas universi<strong>da</strong><strong>des</strong> de Paris,<br />

Bolonha, Oxford e Cambridge já era muito significante. A polêmica<br />

em torno dos estudos na Ordem franciscana era grande, pois sempre<br />

trazia consigo implicações diretas ou indiretas sobre a prática <strong>da</strong><br />

pobreza e sobre a prática do poder entre os fra<strong>des</strong>. Assim, a Vita II<br />

de Celano não pôde <strong>per</strong>manecer neutra a todos estes problemas e<br />

viu-se na necessi<strong>da</strong>de de “pintar” um São Francisco que tinha que se<br />

posicionar frente a tudo isso.<br />

Não era raro encontrar, já na Vita I, um São Francisco que sabia a<br />

Bíblia de cor, sem <strong>nunc</strong>a ter cursado uma universi<strong>da</strong>de, que “entendia<br />

e interpretava também as Escrituras, sem as ter estu<strong>da</strong>do, mas tendose<br />

tornado o imitador delas, como aqueles que os príncipes dos judeus<br />

<strong>des</strong>prezavam como ignorantes e iletrados” (1 Cel 25).<br />

Sobre os livros, a Vita II apresenta um Francisco bastante<br />

<strong>des</strong>confiado, dizendo que o santo<br />

(...) ensinava que nos livros devemos procurar o testemunho do<br />

Senhor e não o seu valor material; a edificação e não a aparência.<br />

Queria que fossem poucos e à disposição dos fra<strong>des</strong> que<br />

precisavam. Por isso, quando um ministro lhe pediu licença para<br />

ter uns livros de luxo e muito preciosos, ouviu esta resposta: “Não<br />

quero <strong>per</strong>der pelos teus livros o livro do Evangelho, que professei.<br />

Faz o que quiseres, contanto que não seja com a <strong>des</strong>culpa <strong>da</strong> minha<br />

licença” (2 Cel 62).<br />

A <strong>des</strong>confiança do santo para com os estudos, videncia<strong>da</strong><br />

pela Vita II, não queria dizer, entretanto, que ele não mostrasse<br />

reverência pelos teólogos e pregadores, mas, sim que <strong>des</strong>ejava que<br />

tal tarefa fosse feita com muito cui<strong>da</strong>do. Preocupado com os fra<strong>des</strong><br />

empenhados no ofício <strong>da</strong> pregação ao povo, São Francisco, afim de<br />

que estes não se proferissem santas palavras <strong>da</strong> boca para fora,<br />

admoestava-os, pois<br />

Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 26<br />

| História | 2011

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