Videmus nunc per speculum”: A (des)construção da memória ... - UTP
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Curiosamente, esses “milagres antigos” são na<strong>da</strong> menos do que<br />
os mesmos milagres que Jesus Cristo, segundo os evangelhos, o<strong>per</strong>ou<br />
quando ain<strong>da</strong> vivia entre os homens. Desta forma, é fácil imaginar<br />
qual era a intenção de Celano: comparar São Francisco com o próprio<br />
Cristo.<br />
Entre as virtu<strong>des</strong> que mais sobressaiam em São Francisco, além<br />
<strong>da</strong>quelas já propostas de antemão pelos mol<strong>des</strong> hagiográficos, como<br />
a cari<strong>da</strong>de, a bon<strong>da</strong>de, o amor, a oração, etc., Celano escolheu, para<br />
a Vita I duas virtu<strong>des</strong> que o papa Gregório IX propôs e que ele mesmo<br />
admirava no santo: a sua simplici<strong>da</strong>de e a sua humil<strong>da</strong>de. Várias são<br />
as citações que ilustram tais virtu<strong>des</strong> no santo recém-canonizado. Uma<br />
vez, estando o santo com seus companheiros numa cabana, um homem<br />
carregando seu jumento parou em frente à porta do lugar onde eles<br />
estavam. O camponês,<br />
(...) temendo ser rejeitado, instigava o animal a entrar, dizendo:<br />
“Entra, que vamos melhorar este lugar”. Ouvindo isso, São<br />
Francisco ficou muito chocado, pois entendeu a intenção do<br />
homem: pensava que os fra<strong>des</strong> queriam morar naquele lugar para<br />
promovê-lo e construir casas. São Francisco saiu imediatamente<br />
<strong>da</strong>li, abandonando a cabana por causa <strong>da</strong> palavra do camponês<br />
(1 Cel 44).<br />
Até para pregar a Palavra de Deus, São Francisco usava uma<br />
linguagem simples e não ficava envergonhado quando esquecia<br />
o que ia dizer. Celano narra seu modo de pregar <strong>des</strong>tacando sua<br />
singulari<strong>da</strong>de:<br />
(...) pregando freqüentemente a palavra de Deus a milhares de<br />
pessoas, tinha tanta segurança como se estivesse conversando<br />
com um companheiro. Olhava a maior <strong>da</strong>s multidões como se fosse<br />
uma só pessoa e falava a ca<strong>da</strong> pessoa com todo o fervor como<br />
se fosse uma multidão. (...) Se, diante do povo reunido, não se<br />
lembrava do que tinha preparado e não sabia falar de outra coisa,<br />
confessava candi<strong>da</strong>mente que tinha preparado muitas coisas e<br />
não estava conseguindo lembrar na<strong>da</strong>. De repente, enchia-se de<br />
tanta eloqüência que deixava admirados os ouvintes. Mas houve<br />
ocasiões em que não conseguiu dizer na<strong>da</strong>, deu a bênção e, só com<br />
isso, <strong>des</strong>pediu o povo com a melhor <strong>da</strong>s pregações (1 Cel 72).<br />
Entretanto, era a simplici<strong>da</strong>de do santo em relação à natureza que<br />
o cercava e saltava aos olhos de seus contemporâneos. A maioria dos<br />
seus biógrafos narrara este afeto que São Francisco mostrava para<br />
com a criação divina. O hagiógrafo tentou <strong>des</strong>crever um pouco <strong>des</strong>ta<br />
relação harmoniosa, mesmo confessando que<br />
(...) seria muito longo e praticamente impossível enumerar e<br />
<strong>des</strong>crever tudo que o glorioso pai São Francisco fez e ensinou<br />
durante a sua vi<strong>da</strong>. (...) Ao ver o sol, a lua, as estrelas e o firmamento,<br />
enchia-se muitas vezes de alegria admirável e inaudita. (...) Tinha<br />
um amor enorme até pelos vermes, por ter lido sobre o Salvador:<br />
Sou um verme e não um homem. Recolhia-os por isso no caminho<br />
e os colocava em lugar seguro, para não serem pisados pelos que<br />
passavam (1 Cel 80).<br />
A Vita I, além de enaltecer a “novi<strong>da</strong>de” de São Francisco diante de<br />
to<strong>da</strong> Cristan<strong>da</strong>de, tentou também esboçar, num trecho muito curioso,<br />
uma <strong>des</strong>crição detalha<strong>da</strong> do <strong>per</strong>fil físico e até psicológico do santo.<br />
Trata-se, talvez, <strong>da</strong> primeira tentativa oficial de se <strong>da</strong>r um rosto a São<br />
Francisco de Assis:<br />
(...) como era bonito, atraente e de aspecto glorioso na inocência<br />
de sua vi<strong>da</strong>, na simplici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s palavras, na pureza do coração,<br />
no amor de Deus, na cari<strong>da</strong>de fraterna (...)! Tinha maneiras finas,<br />
era sereno por natureza e de trato amável, muito oportuno quando<br />
<strong>da</strong>va conselhos, sempre fiel em suas obrigações, prudente no<br />
julgar, eficaz no agir e em tudo cheio de elegância. Sereno na<br />
inteligência, delicado, sóbrio, contemplativo, constante na oração<br />
e fervoroso em to<strong>da</strong>s as coisas. Firme nas resoluções, equilibrado,<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 24<br />
| História | 2011