Videmus nunc per speculum”: A (des)construção da memória ... - UTP
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A Vita I, como já foi dito, tinha o objetivo de tornar o novo santo<br />
conhecido em to<strong>da</strong> Igreja. Isso quer dizer que Frei Tomás de Celano<br />
sabia que não devia escrever uma obra <strong>des</strong>tina<strong>da</strong> somente para uso<br />
dos fra<strong>des</strong>, mas sim para a edificação de to<strong>da</strong> a Cristan<strong>da</strong>de. Talvez,<br />
este detalhe, ajude a explicar porque, nesta biografia, Celano evitou<br />
tocar nas questões problemáticas que já começavam a surgir na<br />
Ordem, como por exemplo, as querelas sobre a pobreza, os estudos, o<br />
poder, a observância <strong>da</strong> Regra e os erros dos fra<strong>des</strong>, temas estes que<br />
serão tratados mais adiante.<br />
Celano faz questão de centralizar to<strong>da</strong> sua primeira obra na<br />
“novi<strong>da</strong>de” trazi<strong>da</strong> por São Francisco e pelo movimento religioso por<br />
ele fun<strong>da</strong>do. São Francisco foi exposto na Vita I como um renovador<br />
<strong>da</strong> Igreja, um “novo sol<strong>da</strong>do de Cristo” (1 Cel 9) que vinha a frente,<br />
guiando os melhores homens, estes, frutos “que a mão do Senhor<br />
tinha plantado havia pouco neste mundo (1 Cel 74). Celano estava tão<br />
convencido <strong>da</strong> novi<strong>da</strong>de trazi<strong>da</strong> por São Francisco que não hesitava em<br />
chamá-lo de “homem de outro mundo” (1 Cel 82).<br />
Por se tratar de uma biografia oficial encomen<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo próprio<br />
papa Gregório IX, a Vita I ofereceu uma imagem de São Francisco<br />
mol<strong>da</strong><strong>da</strong> pelos modelos hagiográficos de sua época, mesmo que no<br />
prólogo <strong>des</strong>ta obra Celano afirme que tenha procurado “apresentar<br />
pelo menos o que ouvi de sua própria boca, ou soube por testemunhas<br />
comprova<strong>da</strong>s e de confiança” (1 Cel, Prólogo, 1). Para Ildefonso<br />
Silveira, “Tomás de Celano inspirou-se mais em testemunhos literáriohagiográficos<br />
que em testemunhos de carne e osso” (SILVEIRA, 1990,<br />
p. 50). Entretanto, não é justo afirmar que a Vita I na<strong>da</strong> tenha de<br />
original. Como já foi dito acima, mesmo que Celano tenha seguido os<br />
modelos hagiográficos usuais, ele o fez a partir do tema <strong>da</strong> “novi<strong>da</strong>de”.<br />
Isso fica bem expresso em um trecho <strong>da</strong> Vita I:<br />
(...) E foi assim que o seu ensinamento mostrou com evidência<br />
que a sabedoria do mundo era loucura, e em pouco tempo, sob<br />
a orientação de Cristo, mudou os homens para a sabedoria de<br />
Deus pela simplici<strong>da</strong>de de sua pregação. Como um dos rios do<br />
paraíso, este novo 16 evangelista dos últimos tempos irrigou<br />
o mundo inteiro com as fontes do Evangelho e pregou com o<br />
exemplo o caminho do Filho de Deus e a doutrina <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de.<br />
Nele e por ele, o mundo conheceu uma alegria ines<strong>per</strong>a<strong>da</strong> e uma<br />
santa novi<strong>da</strong>de: a velha árvore <strong>da</strong> religião viu reflorir seus<br />
ramos nodosos e raquíticos. Um espírito novo reanimou o<br />
coração dos escolhidos e neles derramou a unção de salvação<br />
ao surgir o servo de Cristo como um astro no firmamento,<br />
irradiando uma santi<strong>da</strong>de nova e prodígios inauditos. Por ele<br />
renovaram-se os antigos milagres, quando foi planta<strong>da</strong> no<br />
<strong>des</strong>erto <strong>des</strong>te mundo, com um sistema novo, mas à maneira<br />
antiga, a videira frutífera, que dá flores com o suave <strong>per</strong>fume<br />
<strong>da</strong>s santas virtu<strong>des</strong> e estende por to<strong>da</strong> parte os ramos <strong>da</strong> santa<br />
religiosi<strong>da</strong>de (1Cel 89).<br />
É de chamar a atenção que, num trecho relativamente curto, Celano<br />
quase tenha exagerado, citando, sem qualquer hesitação, expressões<br />
como “novo evangelista”, “santa novi<strong>da</strong>de”, “espírito novo”, “santi<strong>da</strong>de<br />
nova”, “renovação de antigos milagres” e até um “sistema novo” de<br />
“plantio”. Em relação aos “antigos milagres renovados” há um outro<br />
trecho muito interessante que elencava os milagres do santo depois de<br />
sua morte, ao narrar que<br />
junto de seu túmulo estão acontecendo continuamente novos<br />
milagres. As preces são insistentes e são muitos os benefícios<br />
obtidos para as almas e os corpos. Os cegos vêem, os surdos<br />
ouvem, os coxos an<strong>da</strong>m, os mudos falam, salta o que sofria de<br />
gota, limpa-se o leproso, volta o hidrópico ao normal. Os que<br />
sofrem males <strong>da</strong>s mais varia<strong>da</strong>s doenças obtêm a <strong>des</strong>eja<strong>da</strong> saúde.<br />
Seu corpo morto cura corpos vivos, como em vi<strong>da</strong> ele ressuscitava<br />
almas mortas (1Cel 121).<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 23<br />
| História | 2011