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Videmus nunc per speculum”: A (des)construção da memória ... - UTP

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(...) a vi<strong>da</strong> de um santo se inscreve na vi<strong>da</strong> de um grupo, Igreja ou<br />

comuni<strong>da</strong>de. Ela supõe que o grupo já tenha uma existência. Mas<br />

representa a consciência que ele tem de si mesmo, associando uma<br />

imagem a um lugar. (...) A “vi<strong>da</strong> de santo” articula dois movimentos<br />

aparentemente contrários. Assume uma distância com relação<br />

às origens (uma comuni<strong>da</strong>de já constituí<strong>da</strong> se distingue do seu<br />

passado graças á distância que constitui a representação <strong>des</strong>te<br />

passado). Mas, por outro lado, um retorno às origens <strong>per</strong>mite<br />

reconstituir uma uni<strong>da</strong>de no momento em que, <strong>des</strong>envolvendo-se,<br />

o grupo arrisca se dis<strong>per</strong>sar (CERTEAU, Ibid., p. 269).<br />

O santo e a socie<strong>da</strong>de que, de alguma maneira, o construiu,<br />

tinham, <strong>des</strong>ta maneira, uma relação muito íntima. E era precisamente<br />

a literatura hagiográfica que celebrava esta relação, já que<br />

(...) antes de ser escrita, já a precedera a veneração do povo ao<br />

santo. Corria uma tradição oral que, embrionariamente, agrupava<br />

os acontecimentos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> em várias <strong>per</strong>ícopes com um objetivo<br />

condizente com o sentir do povo medieval. Em contraste com a<br />

biografia moderna, estas legen<strong>da</strong>s dos santos não <strong>des</strong>crevem a<br />

vi<strong>da</strong> do santo para fun<strong>da</strong>mentar seu culto, mas o culto precedia o<br />

hagiógrafo (SILVEIRA, 1995, p. 15)<br />

A partir <strong>des</strong>ses <strong>da</strong>dos sobre a natureza e características do<br />

discurso hagiográfico medieval, talvez seja mais fácil entender a<br />

dificul<strong>da</strong>de em se fazer um estudo <strong>da</strong>s muitas biografias produzi<strong>da</strong>s<br />

sobre São Francisco poucas déca<strong>da</strong>s depois de sua morte. Depois de<br />

sua canonização, em 1228,<br />

(...) escritores, sobretudo <strong>da</strong> Ordem Franciscana, esmeraram-se a<br />

deixar por escrito as <strong>memória</strong>s, lembranças, episódios, virtu<strong>des</strong> e<br />

milagres do novo santo. (...) Naturalmente, ao lado <strong>des</strong>ta tradição<br />

escrita, continuava a tradição oral, que corria de boca em boca. (...)<br />

Tinha muito a contar, por exemplo, Frei Leão, discípulo íntimo de S.<br />

Francisco, ou Frei Egídio, que viveram muito mais que seu mestre;<br />

os discípulos deles passavam adiante o que ouviram (SILVEIRA,<br />

1990, p. 13).<br />

Na ver<strong>da</strong>de, ao debruçarmos sobre essas biografias, <strong>des</strong>cobrimos<br />

que a santi<strong>da</strong>de de Francisco de Assis jamais foi um problema para<br />

os seus primeiros biógrafos. Isso era algo pacífico, um fenômeno já<br />

celebrado pelo povo e pela Igreja. O problema foi que essas biografias<br />

criaram “fantasmas”, isto é, representações tão diversas do santo que,<br />

na visão de alguns fra<strong>des</strong>, poderiam confundir os caminhos <strong>da</strong> Ordem<br />

franciscana.<br />

2.2 As representações de São Francisco nas<br />

biografias proscritas<br />

Quando, em 16 de julho de 1228, os sinos <strong>da</strong>s igrejas dobraram<br />

proclamando a canonização de Francisco de Assis, o papa Gregório IX<br />

imediatamente pediu a Frei Tomás de Celano que escrevesse uma biografia<br />

para que todo o povo cristão conhecesse e celebrasse o novo santo. A<br />

obra ficou pronta no início de 1229 e conheci<strong>da</strong> como Vita I15 (1 Cel). Foi a<br />

primeira de muitas biografias a narrar a vi<strong>da</strong> do santo de Assis.<br />

Frei Tomás de Celano nasceu por volta de 1185 e acolhido na<br />

Ordem franciscana em 1215, pelo próprio Francisco de Assis, como ele<br />

faz questão de recor<strong>da</strong>r:<br />

(...) não fazia muito tempo que [São Francisco] tinha voltado a<br />

Santa Maria <strong>da</strong> Porciúncula, quando alguns homens de letras e<br />

alguns nobres juntaram-se a ele com grande satisfação. A estes,<br />

sempre educado e discreto, tratou com respeito e digni<strong>da</strong>de,<br />

servindo piedosamente a ca<strong>da</strong> um conforme lhe cabia (1 Cel 57).<br />

Tudo indica que Frei Tomás de Celano era um frade bastante<br />

preparado, “um homem de letras”; possuía bons conhecimentos<br />

literários e <strong>da</strong> língua latina, não sendo difícil entender, assim, porque<br />

ficou encarregado de contar oficialmente a vi<strong>da</strong> de São Francisco.<br />

Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 22<br />

| História | 2011

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