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Videmus nunc per speculum”: A (des)construção da memória ... - UTP

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hagiógrafos medievais para intitular suas “vi<strong>da</strong>s de santos” e que<br />

traduzido literalmente, significava “aquilo que deve ser lido”. Para<br />

ele, a palavra<br />

(...) legen<strong>da</strong> não existe no latim clássico, sendo criação <strong>da</strong> liturgia<br />

medieval, que no século IX transformou o adjetivo verbal de legere<br />

em substantivo que indicasse a narrativa hagiográfica li<strong>da</strong> na festa<br />

de ca<strong>da</strong> santo (...). Ain<strong>da</strong> com sentido tradicional, ela passou em<br />

fins do século XII para o francês e depois para outras línguas<br />

vernáculas, e somente no século XIX, com os positivistas, ganhou<br />

a acepção de “len<strong>da</strong>”, relato que deforma os fatos e <strong>per</strong>sonagens<br />

históricos (FRANCO JÚNIOR, 2003. p. 12).<br />

O termo “hagiografia” provinha, então, <strong>da</strong> junção do substantivo<br />

(ou mesmo adjetivo) grego αγιος (“hagiós”), traduzido por “santo” ou<br />

“sagrado” com o substantivo γραφια (“grafia”), “escrita”, em outras<br />

palavras, era a “escrita <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> de um santo”. Já de inicio é preciso<br />

deixar claro que uma narrativa hagiográfica não <strong>des</strong>ejava ser histórica<br />

– pelo menos não em nossa concepção moderna de história -, mas<br />

sim uma pe<strong>da</strong>gogia modelar e edificante. Deste modo, a intenção do<br />

hagiógrafo era <strong>des</strong>enrolar<br />

(...) um plano traçado pela Divina Providência; o biógrafo medieval<br />

não é, porém, fatalista, é providencialista. Já se escreveu que<br />

para um biógrafo medieval, é histórico tudo aquilo que pode ter<br />

significado a luz <strong>da</strong> fé, e que lhe interessa mais o significado<br />

salvífico de um fato do que o mesmo fato em si, fato às vezes com<br />

pouco fun<strong>da</strong>mento histórico em sentido moderno.” (SILVEIRA, Op.<br />

cit., p. 18).<br />

Certeau compartilha <strong>des</strong>ta colocação sobre a diferença entre a<br />

hagiografia e a biografia moderna. Na primeira, “a combinação dos<br />

atos, dos lugares e dos temas indica uma estrutura própria que se<br />

refere não essencialmente “aquilo que se passou”, como faz a história,<br />

mas “àquilo que é exemplar” (CERTEAU, Op. cit., p. 267).<br />

Sobre as principais características gerais <strong>da</strong> literatura medieval<br />

de cunho hagiográfico, pode-se afirmar, entre outros aspectos, que<br />

“o enquadramento geográfico <strong>da</strong>s vi<strong>da</strong>s dos santos, por exemplo, é<br />

praticamente o mesmo, apesar de serem indicados diversos nomes<br />

de ci<strong>da</strong><strong>des</strong> e regiões” e que “o <strong>per</strong>fil dos santos também é quase<br />

sempre o mesmo, independentemente de sexo, condição social,<br />

local de procedência”. (FRANCO JÚNIOR, Op. cit., p. 15).<br />

No que diz respeito ao tempo, a narrativa hagiográfica parecia<br />

pouco se importar com uma ideia cronológica e sequencial de tempo,<br />

preferindo, assim, “a atemporali<strong>da</strong>de dos fatos relatados (...). O que<br />

sobressai <strong>des</strong>sas narrativas é seu sentido último e atemporal, que<br />

praticamente funde todos eles num só <strong>per</strong>sonagem-tipo – o mártir<br />

que deu a vi<strong>da</strong> pela maior glória de Deus” (FRANCO JÚNIOR, Ibid.<br />

p. 16). Por ter caráter teofânico, isto é, caráter de manifestação<br />

do divino, acrescenta Certeau, a hagiografia fazia com que as<br />

<strong>des</strong>continui<strong>da</strong><strong>des</strong> do tempo fossem esmaga<strong>da</strong>s pelo início, fim e<br />

fun<strong>da</strong>mento, que acreditavam ser o próprio Deus, ou “o tempo de<br />

todos os tempos”, como acena Márcia de Sá Cavalcante Schuback.<br />

Para ela<br />

(...) a expressão ‘tempo de todos os tempos’ quer indicar,<br />

de imediato, que a metafísica cristã <strong>da</strong> criação assume duas<br />

dimensões no tempo: um tempo no singular, único e inteiro, e um<br />

tempo plural, múltiplo e diverso. O tempo no singular, único, inteiro<br />

é a eterni<strong>da</strong>de do deus 13 criador. O tempo plural, múltiplo e diverso<br />

é o tempo de to<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de extradivina, de to<strong>da</strong>s as criaturas. A<br />

eterni<strong>da</strong>de de deus não é, porém, sinônimo de atemporali<strong>da</strong>de, de<br />

privação do tempo. A eterni<strong>da</strong>de de deus é o único tempo de todos<br />

os tempos (SCHUBACK, 2000, p.79).<br />

No mesmo raciocínio, Certeau observa, ain<strong>da</strong> no que diz respeito<br />

ao “tempo hagiográfico”, que numa narrativa <strong>des</strong>te tipo,<br />

Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 20<br />

| História | 2011

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