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Videmus nunc per speculum”: A (des)construção da memória ... - UTP

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ou de uma mulher” (GAJANO, Apud LE GOFF et SCHIMITT, Ibid.,<br />

p. 449). A <strong>construção</strong> <strong>da</strong> santi<strong>da</strong>de, assim, se fazia segundo certas<br />

exigências e modelos. É claro que o modelo principal de santi<strong>da</strong>de era<br />

a própria vi<strong>da</strong> de Jesus Cristo, <strong>des</strong>crito nos evangelhos, isto é, sua<br />

cari<strong>da</strong>de para com o próximo, suas virtu<strong>des</strong> e suas lutas contra as<br />

tentações. Além disso, o santo medieval devia ser<br />

(...) dotado de dons corporais e espirituais. De belo aspecto. Tem<br />

compostura digna, mas é simples. Despreza a pompa e veste-se<br />

pobremente. É acolhedor e amável. Usa palavras edificantes. É<br />

paciente e humilde, mas em certas circunstâncias é firme. A pureza<br />

do corpo e <strong>da</strong> alma fazem-no imaculado. É comedido <strong>da</strong> comi<strong>da</strong> e<br />

na bebi<strong>da</strong>, parco no sono, que interrompe para vigílias de oração<br />

(...) (SILVEIRA, Op. cit., p. 25).<br />

A santi<strong>da</strong>de toma<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> escolha de vi<strong>da</strong> de homens e<br />

mulheres devotos, <strong>des</strong>de cedo, no Cristianismo, deu origem a uma tipo<br />

de literatura muito singular: a hagiografia. Ain<strong>da</strong> na época <strong>da</strong> <strong>per</strong>seguição<br />

aos cristãos dos primeiros três séculos de nossa Era, um gênero literário<br />

“novo pela língua, pela forma e pelo conteúdo – mesmo se talvez tenha<br />

tido antecedentes no que se chama de Acta martyrum paganorum (“Atos<br />

dos mártires pagãos”) – inaugura a produção hagiográfica, <strong>des</strong>tina<strong>da</strong> a<br />

fixar a <strong>memória</strong> histórica <strong>da</strong>s ações dos heróis <strong>da</strong> nova fé” (GAJANO<br />

Apud LE GOFF et SCHIMITT, Op. cit., p. 455).<br />

Como observaram Cláudio Moreschini e Enrico Norelli, já no século<br />

III as primeiras biografias dos santos possuíam aspectos próprios<br />

como, por exemplo, o<br />

(...) interesse centrado sobretudo no comportamento moral do<br />

<strong>per</strong>sonagem e em sua morte como cristão; a função exemplar<br />

assumi<strong>da</strong> pelos santos biografados, considerando-se que a<br />

biografia também devia apresentar aos leitores um modelo ideal a<br />

seguir (MORESCHINI et NORELLI, 2000, p. 431).<br />

Afirmar que a santi<strong>da</strong>de era uma <strong>construção</strong> social muito<br />

importante na I<strong>da</strong>de Média, não quer dizer que esta fosse um<br />

fenômeno estático, cristalizado, mas, pelo contrário, apresentavase<br />

com uma dinamici<strong>da</strong>de surpreendente. Esse <strong>des</strong>envolvimento<br />

<strong>da</strong> santi<strong>da</strong>de foi bem ilustrado na literatura hagiográfica medieval,<br />

principalmente naquela produzi<strong>da</strong> do século VI ao século XII quando<br />

ela constituiu<br />

(...) o principal testemunho sobre as fortes transformações<br />

sofri<strong>da</strong>s por uma região geopolítica: fim <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de mediterrânea;<br />

contato com as populações não romanas (germânicas, depois<br />

húngaras e norman<strong>da</strong>s); alargamento <strong>da</strong>s fronteiras internas<br />

(com a repressão contra pagãos, judeus, hereges) e externas (na<br />

Europa setentrional e oriental); <strong>des</strong>envolvimento <strong>da</strong>s instituições<br />

eclesiásticas e monásticas, e progressiva fusão <strong>da</strong>s elites políticas<br />

e elites religiosas (...); dramas suscitados por calami<strong>da</strong><strong>des</strong><br />

naturais e guerras; múltiplas formas de divisão dos poderes no<br />

decorrer dos séculos, tendo como pano de fundo uma modificação<br />

<strong>da</strong>s relações entre ci<strong>da</strong>de e campo (GAJANO Apud LE GOFF et<br />

SCHIMITT, Op. cit., p. 456).<br />

Para alguns estudiosos, como Ildefonso Silveira, a hagiografia<br />

estava mais próxima <strong>da</strong> arte do que <strong>da</strong> ciência. Para Certeau, o<br />

discurso hagiográfico se localizava na extremi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> historiografia,<br />

pois, “a retórica <strong>des</strong>te “monumento” está satura<strong>da</strong> de sentido, mas<br />

do mesmo sentido” (CERTEAU, Op. cit., p. 266). Isso quer dizer<br />

que um discurso hagiográfico só tinha sentido em si mesmo, no seu<br />

universo religioso e cultural, onde a intervenção divina na vi<strong>da</strong> de um<br />

homem ou de uma mulher é que dá significado à narrativa.<br />

Na apresentação à obra Legen<strong>da</strong> Áurea, compila<strong>da</strong> no século<br />

XIII pelo frade dominicano Jacopo de Varazze, o historiador Hilário<br />

Franco Junior comenta, de forma sucinta numa nota explicativa,<br />

as raízes filológicas do termo “legen<strong>da</strong>”, muito utilizado pelos<br />

Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 19<br />

| História | 2011

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