Videmus nunc per speculum”: A (des)construção da memória ... - UTP
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O papa Inocêncio III acolheu Francisco e seus fra<strong>des</strong> aprovando<br />
oralmente seu novo modo de vi<strong>da</strong> evangélica. Era a festa de<br />
Pentescostes, dia 17 de maio do ano do Senhor de 1209. Uma Ordem<br />
Religiosa, diferente de to<strong>da</strong>s as outras já conheci<strong>da</strong>s, nascia com o<br />
nome de Ordo Minorum (“Ordem dos Menores”).<br />
Mas qual era a proveniência <strong>des</strong>ses primeiros fra<strong>des</strong>? Qual era<br />
a identi<strong>da</strong>de <strong>des</strong>sa nova Ordo? Para Giovanni Merlo, a primitiva<br />
fraterni<strong>da</strong>de era constituí<strong>da</strong> por<br />
(...) um grupo bastante variado em i<strong>da</strong>de, proveniência social<br />
e cultura: há nobres e cavaleiros, leigos e clérigos (sacerdotes<br />
ou não), membros <strong>da</strong> aristocracia urbana e homens do populus,<br />
iletrados e letrados, ricos e pobres, citadinos e camponeses<br />
(MERLO, Op. cit., p. 29).<br />
Quanto à identi<strong>da</strong>de <strong>des</strong>se movimento franciscano ain<strong>da</strong> nascente,<br />
pode-se dizer que seguiam as orientações de Frei Francisco e seu<br />
<strong>des</strong>ejo de seguir a Cristo “pobre e crucificado”, conforme era revelado<br />
nos evangelhos. É por esta razão que<br />
(...) os membros <strong>da</strong> Fraterni<strong>da</strong>de não devem estar “separados” dos<br />
outros indivíduos, dos outros “pobres”, na forma de viver e de se<br />
vestir. No testemunho cristão dos primi fratres [primeiros irmãos]<br />
e socii [companheiros] há um caráter profun<strong>da</strong>mente <strong>des</strong>armado,<br />
que se manifesta <strong>des</strong>de sua sau<strong>da</strong>ção “O Senhor te dê a paz<br />
(Salutationem michi Dominus revelavit ut dicerimus: Dominus det<br />
tibi pacem) (MERLO, Ibid., p. 30).<br />
Entre as virtu<strong>des</strong> mais recor<strong>da</strong><strong>da</strong>s de Francisco de Assis e torna<strong>da</strong>s<br />
típicas <strong>da</strong> espirituali<strong>da</strong>de franciscanas, <strong>des</strong>tacam-se a cortesia e a<br />
alegria. Para Le Goff, a cortesia expressa nas atitu<strong>des</strong> do santo<br />
(...) não é apenas um meio de participar <strong>da</strong>s mo<strong>da</strong>s culturais de seus<br />
contemporâneos leigos. Essa linguagem exprime uma interiorização<br />
do heroísmo guerreiro que caracteriza a religiosi<strong>da</strong>de de seu tempo.<br />
O santo <strong>da</strong> alta I<strong>da</strong>de Média era o atleta de Deus, o santo do século<br />
XIII é o cavaleiro de Deus (LE GOFF, 2001, p. 226),<br />
e acrescenta que, no que diz respeito a alegria, para os<br />
franciscanos,<br />
(...) o prazer do mundo se manifesta ain<strong>da</strong> mais claramente<br />
no comportamento alegre. Nisso, ain<strong>da</strong>, há aproximação entre<br />
religiosos e leigos, enquanto que o modelo monástico fazia do<br />
monge um especialista em lágrimas (LE GOFF, Ibid., p.228).<br />
O estilo de vi<strong>da</strong> inaugurado pelos franciscanos, isto é, esse novo<br />
olhar sobre o mundo e sobre a religião, inaugurado por Francisco de<br />
Assis e seus seguidores, marcou profun<strong>da</strong>mente a pie<strong>da</strong>de popular<br />
do século XIII <strong>da</strong> cristan<strong>da</strong>de ocidental, como, por exemplo, a criação<br />
do “presépio vivo” que influenciou to<strong>da</strong> uma iconografia em torno <strong>da</strong><br />
Santa Infância e a devoção mariana, já inicia<strong>da</strong> no século XII, mas<br />
difundi<strong>da</strong> entre os leigos pelos fra<strong>des</strong> carmelitas e franciscanos.<br />
Enfim, na mesma medi<strong>da</strong> em que cresceu o número dos fra<strong>des</strong><br />
cresceram também os problemas institucionais <strong>da</strong> Ordem e estes,<br />
geralmente, gravitavam em torno <strong>da</strong> questão <strong>da</strong> pobreza e <strong>da</strong>s<br />
necessi<strong>da</strong><strong>des</strong> dos fra<strong>des</strong> diante dos novos <strong>des</strong>afios de apostolado na<br />
socie<strong>da</strong>de. As querelas se intensificaram ca<strong>da</strong> vez mais e tiveram, como<br />
veremos, grande reflexo na produção hagiográfica sobre São Francisco,<br />
principalmente no século XIV. Entretanto, algumas “imagens” do santo,<br />
construí<strong>da</strong>s no século XIII, também escondiam mecanismos de poder<br />
muito complexos.<br />
2 AS VÁRIAS FACES DE SÃO FRANCISCO<br />
Por mais que os instrumentos de investigação histórica<br />
<strong>des</strong>envolvidos nas últimas déca<strong>da</strong>s tenham possibilitado aos<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 16<br />
| História | 2011