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Videmus nunc per speculum”: A (des)construção da memória ... - UTP

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com suas tentativas de retornar às origens, aos tempos apostólicos, à<br />

vita et forma Ecclesiae primitivae (“vi<strong>da</strong> e forma <strong>da</strong> Igreja primitiva”).<br />

Deste modo, não é um exagero afirmar que a “a reforma gregoriana<br />

é, numa palavra, a institucionalização <strong>des</strong>se movimento e sua<br />

assimilação pela socie<strong>da</strong>de cristã ao longo de todo o século XII” (LE<br />

GOFF, 2001, p. 27).<br />

Ao que tudo indica, a Igreja, mesmo com todo seu esforço de<br />

atualização frente à nova socie<strong>da</strong>de, continuava, mesmo no início do<br />

século XIII, prisioneira de velhos e novos fardos. Conheceu gran<strong>des</strong><br />

derrotas, como a Cruza<strong>da</strong> contra os muçulmanos e os <strong>des</strong>vios <strong>da</strong><br />

quarta Cruza<strong>da</strong> para Constantinopla (1204), assim como a derrota<br />

contra as heresias dentro <strong>da</strong> própria cristan<strong>da</strong>de. Tratava-se, com<br />

algumas reservas, de uma Igreja um tanto confusa e <strong>per</strong>di<strong>da</strong>. Suas<br />

tentativas de a<strong>da</strong>ptação haviam se revelado ineficazes e incapazes,<br />

segundo Le Goff,<br />

(...) de repelir ou moderar os <strong>des</strong>afios <strong>da</strong> história: a agressão do<br />

dinheiro, as novas formas de violência, a aspiração contraditória<br />

dos cristãos a um gozo maior dos bens <strong>des</strong>te mundo, por um lado,<br />

e, por outro, a resistência agora mais agu<strong>da</strong> para a riqueza, o<br />

poder, a concupiscência (LE GOFF, Ibid., p. 34).<br />

André Vauchez, em seus estudos sobre os caminhos <strong>da</strong><br />

espirituali<strong>da</strong>de no Ocidente medieval, lembra que a Igreja do século<br />

XII não teve apenas que dialogar com a nova ci<strong>da</strong>de, com a nova<br />

economia, com os novos poderes e os com os novos vícios e virtu<strong>des</strong><br />

dos burgueses, que, de alguma maneira, se apresentavam mais como<br />

problemas externos. Mas, sim, que resolver também um problema<br />

interno que ca<strong>da</strong> vez mais ganhava maiores proporções: a sede de vi<strong>da</strong><br />

espiritual dos leigos. Era um <strong>per</strong>íodo delicado na qual<br />

(...) a coesão dogmática ain<strong>da</strong> não se encontrava bem assegura<strong>da</strong> em<br />

todos os seus domínios, e em que um profundo fosso separava a elite<br />

letra<strong>da</strong> <strong>da</strong>s massas incultas, havia lugar, no próprio seio <strong>da</strong> ortodoxia,<br />

para diferentes formas de interpretar e viver a mensagem cristã, isto<br />

é, para diversas espirituali<strong>da</strong><strong>des</strong> (VAUCHEZ, 1995, p. 12).<br />

Vale salientar que os elementos <strong>des</strong>sa sede espiritual vivi<strong>da</strong><br />

pelos leigos no século XII em muito se diferenciavam <strong>da</strong> concepção<br />

eclesiástica de espirituali<strong>da</strong>de, termo que, aliás, como aponta Vauchez,<br />

era <strong>des</strong>conhecido na I<strong>da</strong>de Média, que preferia apenas distinguir a<br />

idéia de “doctrina, isto é, a fé sob seu aspecto dogmático e normativo,<br />

e a disciplina, a sua passagem à prática, geralmente no quadro de uma<br />

regra religiosa” (VAUCHEZ, Ibid., p. 11). A ex<strong>per</strong>iência de vi<strong>da</strong> cristã<br />

busca<strong>da</strong> pelos leigos <strong>da</strong>va-se em bases que frequentemente entravam<br />

em contraste com as vias oficiais de vi<strong>da</strong> religiosa, pois<br />

(...) os humil<strong>des</strong> integraram na sua ex<strong>per</strong>iência religiosa, tanto<br />

pessoal quanto colectiva, elementos originários <strong>da</strong> religião que<br />

lhes havia sido ensina<strong>da</strong> e outros que lhes fornecia a mentali<strong>da</strong>de<br />

comum do seu meio e do seu tempo, marca<strong>da</strong> por representações<br />

e crenças estranhas ao cristianismo. Por outro lado, incapazes de<br />

aceder a abstração, os leigos tiveram tendência para transpor para<br />

um registro emotivo os mistérios fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> fé (VAUCHEZ,<br />

Ibid., p. 13).<br />

Essas dissonâncias entre a espirituali<strong>da</strong>de almeja<strong>da</strong> pelos fiéis e os<br />

modos de vi<strong>da</strong> religiosa tradicionais não significavam que os leigos, no<br />

século XI e XII, tivessem conquistado seu espaço à força e a <strong>des</strong>peito<br />

dos limites prescritos pela cúpula <strong>da</strong> Igreja. Ocorreu que, entre outros<br />

motivos, foi lhes <strong>da</strong>do uma brecha e eles atenderam aos apelos feitos<br />

tanto por Gregório VII e, mais tarde, por Urbano II, em Clermont, no<br />

ano de 1095, a “abandonarem a passivi<strong>da</strong>de e a oferecerem a sua<br />

participação direta na reforma e na cruza<strong>da</strong>” (VAUCHEZ, Ibid., p. 104).<br />

Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 11<br />

| História | 2011

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