Discurso proferido pelo Professor Manfredo Perdigão do ... - CNPq
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<strong>Discurso</strong> <strong>proferi<strong>do</strong></strong> <strong>pelo</strong> <strong>Professor</strong> <strong>Manfre<strong>do</strong></strong> <strong>Perdigão</strong> <strong>do</strong> Carmo ao receber o Prêmio<br />
Nacional de Ciência e Tecnologia na Área de Ciências Matemáticas, no dia 28 de agosto<br />
de 1984, no Palácio <strong>do</strong> Planalto em Brasília<br />
Recebo,com uma mistura de alegria, orgulho e humildade o Prêmio Nacional de<br />
Matemática, outorga<strong>do</strong> <strong>pelo</strong> Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e<br />
Tecnológico por recomendação de uma Comissão de ilustres matemáticos brasileiros.<br />
A alegria e o orgulho provêm <strong>do</strong> fato de ser o prêmio concedi<strong>do</strong> a um trabalho<br />
cuja motivação foi a paixão de entender, e às vezes de explicar, para entender melhor.<br />
Pois é da natureza íntima da Matemática esta busca <strong>do</strong> entendimento das coisas simples e<br />
fundamentais naquela faixa de idéias onde, segun<strong>do</strong> os gregos antigos, Verdade e Beleza<br />
se misturam de maneira indistinguível. Que a sociedade brasileira reconheça com um<br />
prêmio a importância deste trabalho é, para mim, motivo de justifica<strong>do</strong> orgulho e<br />
profunda alegria.<br />
Em verdade, não obstante o seu caráter de beleza e simplicidade, a Matemática é<br />
útil, irritantemente útil. O que acontece é que, na maior parte <strong>do</strong>s casos, a sua utilidade é<br />
de tal mo<strong>do</strong> indireta, que é impossível caracterizá-la com nitidez. Um eminente geômetra<br />
atual, S. S. Chern, resumiu esta impossibilidade na frase seguinte: “Os matemáticos são<br />
inúteis mas a Matemática é indispensável.<br />
A Matemática é uma tarefa milenar que compete a toda a raça humana, que é feita<br />
para estudar alguns aspectos fundamentais <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> que nos cerca, e que afeta este<br />
mesmo mun<strong>do</strong> em uma medida que não sabemos precisar. Fundamentalmente, ela é uma<br />
parte da cultura, entendida como patrimônio universal, e seu parentesco histórico é com a<br />
Filosofia e as Artes, se bem que nos últimos quinhentos anos tenha si<strong>do</strong> vista<br />
freqüentemente de mãos dadas com a jovem Tecnologia.<br />
O Brasil, com suas dimensões continentais e sua vocação a potência <strong>do</strong> futuro,<br />
terá forçosamente de participar e contribuir para esta frente cultural. A história nos ensina<br />
que o processo de desenvolvimento matemático precisa de um longo perío<strong>do</strong> de<br />
incubação. No caso brasileiro, um processo sistemático de incubação se iniciou na década<br />
<strong>do</strong>s 50. Depois de alguma preparação, limitada <strong>pelo</strong>s parcos recursos humanos que<br />
dispúnhamos na época, jovens talentosos eram envia<strong>do</strong>s para boas universidades no
exterior, com o apoio <strong>do</strong> antigo <strong>CNPq</strong> e da CAPES. É de destacar a clarividência com<br />
que se houveram os pioneiros deste processo. De fato, um grande número destes jovens<br />
conseguiu obter o seu <strong>do</strong>utora<strong>do</strong> e voltava com uma excelente formação de matemática e<br />
um alto grau de entusiasmo. O processo se acelerou na década <strong>do</strong>s 60, e em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s<br />
70 já possuíamos uma produção regular de pesquisa matemática, realizada no Brasil e de<br />
citação obrigatória em periódicos internacionais.<br />
Embora cobrin<strong>do</strong> um espectro relativamente pequeno, a Matemática brasileira<br />
distinguiu-se internacionalmente pela profundidade de sua penetração em algumas áreas.<br />
Como um exemplo, entre outros, mencionarei que vários matemáticos brasileiros têm<br />
visto seus livros, escritos originalmente em português, serem traduzi<strong>do</strong>s para o inglês e,<br />
em um caso recente, para o alemão.<br />
Olha<strong>do</strong> em retrospecto, observa-se que este progresso extraordinário dependeu em<br />
grande parte <strong>do</strong> fato seguinte: as decisões sobre os caminhos da matemática brasileira<br />
ficaram nas mãos de matemáticos competentes que tinham uma visão clara de nossas<br />
forças e limitações, e que obtiveram da sociedade os instrumentos necessários ao<br />
desenvolvimento por eles próprios planeja<strong>do</strong>. Tais instrumentos foram essencialmente<br />
boas bibliotecas, bolsas adequadas, salários competitivos, e recursos para viagens e<br />
reuniões na escala necessária às características da matemática. É necessário que uma<br />
sociedade tenha uma profunda confiança no seu futuro para investir em um projeto a tão<br />
longo prazo. Orgulho-me que isto tenha aconteci<strong>do</strong> no meu país, e espero que tenha a<br />
continuidade necessária a podermos considerar estes 30 anos como o início, tardio porém<br />
definitivo da implantação da Matemática no Brasil.<br />
Permitam-me concluir com uma nota pessoal. Em uma ocasião como esta é<br />
inevitável revisitar caminhos percorri<strong>do</strong>s e observar com humildade o quanto devemos. É<br />
próprio e justo que esta dívida seja aqui consignada.<br />
Primeiro, ao <strong>Professor</strong> Benedito de Morais, com quem aprendi a Matemática <strong>do</strong><br />
ginásio em Maceió. Em verdade, aprendi com ele muito mais que matemática. Aprendi<br />
que o trabalho bem feito, intransigentemente bem feito, gera o respeito daqueles que nos<br />
cercam.
Segun<strong>do</strong>, ao IMPA, Instituto de Matemática Pura e Aplicada <strong>do</strong> Rio de Janeiro,<br />
onde encontrei um ambiente matemático com tal entusiasmo e calor que aban<strong>do</strong>nei<br />
definitivamente a carreira de engenheiro para dedicar to<strong>do</strong> o meu tempo à Matemática.<br />
Finalmente, ao <strong>Professor</strong> S. S. Chern que orientou os meus primeiros passos na<br />
pesquisa matemática na Universidade da Califórnia, Berkeley, e a quem devo uma boa<br />
parte da visão que tenho hoje da Matemática.<br />
Para não ser enfa<strong>do</strong>nho e evitar injustiças, terei de omitir aqui uma lista imensa de<br />
colabora<strong>do</strong>res, colegas e alunos, aos quais devo muito <strong>do</strong> que fiz. Seria, entretanto, uma<br />
injustiça omitir o nome de Leny Alves Cavalcante, companheira e amiga, a quem devo<br />
mais <strong>do</strong> que poderia descrever, e que está presente neste momento de alegria como esteve<br />
presente nos momentos de dificuldades. Mérito, se algum eu tive, deve ser partilha<strong>do</strong><br />
com ela.