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Pseudo-Infarto do Miocárdio Durante Episódio de Herpes Zoster

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Arq Bras Cardiol<br />

volume 75, (nº 6), 2000<br />

Franken e cols<br />

<strong>Pseu<strong>do</strong></strong>-infarto <strong>do</strong> miocárdio durante episódio <strong>de</strong> herpes zoster<br />

<strong>Pseu<strong>do</strong></strong>-<strong>Infarto</strong> <strong>do</strong> <strong>Miocárdio</strong> <strong>Durante</strong> <strong>Episódio</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>Herpes</strong> <strong>Zoster</strong><br />

Paciente <strong>de</strong>u entrada no pronto socorro com história<br />

<strong>de</strong> infarto agu<strong>do</strong> <strong>do</strong> miocárdio ten<strong>do</strong> assim si<strong>do</strong> tratada.<br />

Sem melhora da <strong>do</strong>r, a paciente apresentou insuficiência<br />

cardíaca e foi submetida a estu<strong>do</strong> hemodinâmico, que<br />

mostrou coronárias normais e extenso comprometimento<br />

ventricular. Na evolução houve melhora <strong>do</strong> quadro clínico<br />

e aparecimento <strong>de</strong> <strong>Herpes</strong> <strong>Zoster</strong> no ombro direito. Em<br />

poucos meses o quadro regrediu com normalização <strong>do</strong> eletrocardiograma,<br />

radiografia <strong>de</strong> tórax e função ventricular,<br />

estan<strong>do</strong> a paciente atualmente assintomática.<br />

A manifestação clínica da miocardite po<strong>de</strong> variar <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

um esta<strong>do</strong> assintomático secundário à infecção focal até<br />

uma insuficiência cardíaca grave. Em alguns casos, a apresentação<br />

clínica po<strong>de</strong> simular o infarto <strong>do</strong> miocárdio 1 , clínica,<br />

eletrocardiográfica e laboratorialmente. Aproximadamente<br />

25 vírus po<strong>de</strong>m estar associa<strong>do</strong>s à miocardite, <strong>de</strong>ntre<br />

eles o vírus Varicela <strong>Zoster</strong>. O envolvimento miocárdico<br />

durante infecção pelo vírus <strong>do</strong> <strong>Herpes</strong> <strong>Zoster</strong> é raro, manifestan<strong>do</strong>-se,<br />

em geral, <strong>de</strong> forma assintomática ou como insuficiência<br />

cardíaca 2 .<br />

Relatamos o caso <strong>de</strong> uma paciente com quadro <strong>de</strong> infarto<br />

<strong>do</strong> miocárdio e infecção por <strong>Herpes</strong> <strong>Zoster</strong>.<br />

Relato <strong>do</strong> caso<br />

Paciente <strong>de</strong> 68 anos, feminina, branca, procurou o<br />

pronto socorro com queixa <strong>de</strong> <strong>do</strong>r precordial, irradiada para<br />

o membro superior esquer<strong>do</strong> acompanha<strong>do</strong> <strong>de</strong> su<strong>do</strong>rese e<br />

fraqueza, há três horas. Há <strong>do</strong>is dias a paciente referia mal<br />

estar, como um incômo<strong>do</strong> no ombro direito, contínuo, sem<br />

fatores <strong>de</strong> melhora ou piora. É hipertensa, em uso <strong>de</strong> enalapril<br />

20mg há cinco anos. Familiares longevos.<br />

Ao exame físico a paciente apresentava-se agitada,<br />

pálida, su<strong>do</strong>réica e dispnéica. Pressão arterial 134/80mmHg<br />

em ambos os membros superiores, freqüência cardíaca<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências Médicas da Santa Casa <strong>de</strong> São Paulo<br />

Correspondência: Roberto A. Franken – Rua Dr. Franco da Rocha 163/52 – 05015-<br />

040 – São Paulo, SP<br />

Recebi<strong>do</strong> para publicação em 3/12/99<br />

Aceito em 23/2/2000<br />

Roberto A. Franken, Marcelo Franken<br />

São Paulo, SP<br />

Relato <strong>de</strong> Caso<br />

116bpm, pulmões sem ruí<strong>do</strong>s adventícios, pulsos periféricos<br />

palpa<strong>do</strong>s.<br />

A hipótese clínica <strong>de</strong> infarto <strong>do</strong> miocárdio levou a paciente<br />

a realizar imediatamente o eletrocardiograma (fig. 1)<br />

que confirmou o diagnóstico. Foi instala<strong>do</strong> trombolítico<br />

(estreptoquinase), ocorren<strong>do</strong> hipotensão durante a infusão,<br />

ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> diminuí<strong>do</strong> o gotejamento e inicia<strong>do</strong> o uso <strong>de</strong><br />

<strong>do</strong>pamina e, em seguida, <strong>do</strong>butamina. Terminada a infusão a<br />

paciente persistia agitada, com <strong>do</strong>r, e mais dispnéica À ausculta<br />

pulmonar, constataram-se estertores crepitantes nos 2/<br />

3 inferiores <strong>do</strong>s campos pulmonares. A paciente recebeu nitroprussiato<br />

<strong>de</strong> sódio e diurético. A radiografia <strong>de</strong> tórax (fig. 2)<br />

mostrava o padrão clássico <strong>do</strong> e<strong>de</strong>ma pulmonar. Como a <strong>do</strong>r<br />

persistisse, <strong>de</strong>corridas 4h da infusão <strong>do</strong> trombolítico, a paciente<br />

foi submetida a estu<strong>do</strong> cinecoronariográfico que revelou<br />

coronárias normais e aumento <strong>do</strong> volume sistólico final<br />

<strong>do</strong> ventrículo esquer<strong>do</strong> <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a extensa área acinética<br />

anterior e inferior, bem como discinesia apical (fig. 3). As <strong>do</strong>sagens<br />

das enzimas cardíacas encontram-se na tabela I.<br />

O ecocardiograma em 12/3/96 revelava fração <strong>de</strong> ejeção<br />

<strong>de</strong> 45%, insuficiência mitral leve, déficit <strong>do</strong> relaxamento<br />

ventricular esquer<strong>do</strong>, discinesia médio apical e acinesia anterior<br />

inferior e septo, <strong>de</strong>mais pare<strong>de</strong>s hipercinéticas.<br />

A evolução caminhou para melhora clínica. Após 24hs<br />

<strong>de</strong> sua entrada, foi observada piora da <strong>do</strong>r no ombro e membro<br />

superior direito e aparecimento <strong>de</strong> vesículas <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong><br />

claro e halo róseo no ombro direito. Estabeleceu-se o<br />

diagnóstico clínico <strong>de</strong> <strong>Herpes</strong> <strong>Zoster</strong>. A evolução <strong>do</strong> eletrocardiograma<br />

é mostrada nas figuras 4 e 5 e radiografia <strong>de</strong><br />

tórax na figura 6. O ecocardiograma <strong>de</strong> 19/3 mostrou discinesia<br />

da porção apical <strong>do</strong> septo e pare<strong>de</strong> anterior, não haven<strong>do</strong><br />

insuficiência mitral. Em 9/4, o ecocardiograma era<br />

normal, sem alterações da contratilida<strong>de</strong> segmentar, relaxamento<br />

normal.<br />

Atualmente a paciente vem fazen<strong>do</strong> uso <strong>de</strong> bloquea<strong>do</strong>r<br />

<strong>do</strong>s canais <strong>de</strong> cálcio (diltiazem) e encontra-se clinicamente<br />

bem, com função cardíaca normal sem qualquer déficit.<br />

Discussão<br />

A paciente preenchia na admissão os critérios diagnósticos<br />

para infarto agu<strong>do</strong> <strong>do</strong> miocárdio e assim foi conduzida.<br />

Chamou a atenção, na evolução, pequeno aumento<br />

enzimático para a extensão <strong>do</strong> comprometimento miocár-<br />

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Franken e cols<br />

<strong>Pseu<strong>do</strong></strong>-infarto <strong>do</strong> miocárdio durante episódio <strong>de</strong> herpes zoster<br />

Fig. 2 – Radiografia <strong>de</strong> tórax 10/3/96. Padrão tipo e<strong>de</strong>ma pulmonar.<br />

dico, observa<strong>do</strong> clinicamente e confirma<strong>do</strong> ao exame angiográfico<br />

e ecocardiograma. Na evolução apareceram as vesículas<br />

que permitiram diagnosticar <strong>Herpes</strong> <strong>Zoster</strong>, que já vinha<br />

se manifestan<strong>do</strong> como incômo<strong>do</strong> no ombro direito dias<br />

antes <strong>do</strong> episódio <strong>de</strong> <strong>do</strong>r torácica.<br />

Conforme <strong>de</strong>scrito por Franken e cols. 1 , a nova onda<br />

“Q” <strong>do</strong> eletrocardiograma <strong>de</strong>ve ser interpretada e relatada<br />

como expressão <strong>de</strong> zona eletricamente inativa e não como<br />

área <strong>de</strong> necrose.<br />

Heyndrick e cols. 3 <strong>de</strong>screveram a entida<strong>de</strong> relaciona-<br />

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Arq Bras Cardiol<br />

volume 75, (nº 6), 2000<br />

Fig. 1 – Eletrocardiograma <strong>de</strong> entrada: supra<strong>de</strong>snivelamento <strong>de</strong> ST em D 1 , Avl, V 2 , V 3 , V 4 , V 5 e V 6 padrão QS D 2 , D 3 , Avf, V 2 , V 3 , V 4 e QR em V 5 , V 6 . Conclusão: zona eletricamente inativa<br />

em pare<strong>de</strong> inferior e ântero-lateral, lesão ântero-lateral.<br />

Tabela I - Evolução das enzimas cardíacas<br />

CPK CKMb<br />

Entrada 140 18<br />

6 horas 173 32<br />

12 horas 261 64<br />

Valores <strong>de</strong> referência CPK total até 60, CKMb até 10.<br />

A<br />

B<br />

Fig. 3 - Estu<strong>do</strong> angiográfico em 10/3/96: coronárias normais, ventriculografia mostra<br />

zona acinética ântero-inferior e discinética apical: a) diástole final, b) sístole final.


Arq Bras Cardiol<br />

volume 75, (nº 6), 2000<br />

Franken e cols<br />

<strong>Pseu<strong>do</strong></strong>-infarto <strong>do</strong> miocárdio durante episódio <strong>de</strong> herpes zoster<br />

Fig. 4 - Eletrocardiograma 30/3/96. Reaparecimento <strong>de</strong> R em D 2 D 3 , Avf, V 4 , V 5 e V 6 onda T negativa difusamente. Conclusão: zona eletricamente inativa anterior, alterações difusas<br />

da repolarização ventricular.<br />

Fig. 5 - Eletrocardiograma 10/6/96. Eletrocardiograma normal.<br />

Fig. 6 – Radiografia <strong>de</strong> tórax 10/6/96. Normal.<br />

da à isquemia miocárdica conhecida como o miocárdio ator<strong>do</strong>a<strong>do</strong>.<br />

Segun<strong>do</strong> Braunwald e Kloner 4 , o miocárdio ator<strong>do</strong>a<strong>do</strong><br />

se caracterizaria por sofrimento miocárdico transitó-<br />

rio, após evento isquêmico agu<strong>do</strong>, e seria <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao acúmulo<br />

citoplasmático <strong>de</strong> cálcio e radicais livres. Do ponto <strong>de</strong><br />

vista eletrofisiológico, a área ator<strong>do</strong>ada se torna eletricamente<br />

não responsiva ao estímulo elétrico e, consequentemente,<br />

não contrátil, mimetizan<strong>do</strong>, em tu<strong>do</strong>, a área <strong>de</strong> necrose. A<br />

região ator<strong>do</strong>ada por modificações eletrolíticas torna-se incompletamente<br />

repolarizada (potencial <strong>de</strong> repouso acima <strong>de</strong><br />

–20mv) e, portanto, não responsiva.<br />

Foram encontra<strong>do</strong>s na literatura casos <strong>de</strong> miocardite<br />

associa<strong>do</strong>s ao <strong>Herpes</strong> <strong>Zoster</strong> vírus, sen<strong>do</strong> a manifestação<br />

clínica a insuficiência cardíaca 5 . Não encontramos, entretanto,<br />

na literatura, relato <strong>de</strong> miocárdio ator<strong>do</strong>a<strong>do</strong> relaciona<strong>do</strong><br />

a quadro <strong>de</strong> miocardite aguda, fato, porém, perfeitamente<br />

aceitável <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista fisiopatológico. De Bois e cols. 6<br />

relatam quadro semelhante induzi<strong>do</strong> pelo uso <strong>de</strong> interleucina<br />

2 aplica<strong>do</strong> no tratamento <strong>de</strong> neoplasia.<br />

Não se po<strong>de</strong>, porém, excluir o comprometimento viral<br />

das coronárias, conforme observa<strong>do</strong> em evidências epi<strong>de</strong>miológicas<br />

relacionan<strong>do</strong> episódios coronarianos agu<strong>do</strong>s e<br />

<strong>do</strong>ença infeciosa 7 .<br />

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Franken e cols<br />

<strong>Pseu<strong>do</strong></strong>-infarto <strong>do</strong> miocárdio durante episódio <strong>de</strong> herpes zoster<br />

1. Franken RA, Assef MAS, Stella FP, Gandra SMA, Rivetti AL. Onda Q <strong>do</strong> eletrocardiograma:<br />

Necrose ou zona eletricamente inativa? O pseu<strong>do</strong>-infarto <strong>do</strong> miocárdio.<br />

Arq Bras Cardiol 1992; 59: 297-301.<br />

2. Guess H. Population – based studies of Varicella complications. Paediatrics<br />

1986; 78: 723-7.<br />

3. Heyndrickx GR, Millardd RW, Mc.Ritchie RJ, et al. Regional myocardial functional<br />

and electrophysiological alterations after brief coronary occlusion in conscious<br />

<strong>do</strong>gs. J Clin Invest 1975; 56: 978-85.<br />

526 526<br />

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Referências<br />

Arq Bras Cardiol<br />

volume 75, (nº 6), 2000<br />

4. Braunwald E, Kloner RA. The stunned myocardium: prolongued post ischemic<br />

ventricular disfunction Circulation 1982; 66: 1146-9.<br />

5. Tsintsof A, Delpra<strong>do</strong> WJ, Keogh AM. Varicella zoster myocarditis progressing<br />

to cardiomyopathy and cardiac transplantation. Br Heart J 1993; 70: 93-5.<br />

6. Du Bois JS, U<strong>de</strong>lson JE, Atkins MB. Severe reversible global and regional ventricular<br />

disfunction associated with high <strong>do</strong>se interleukin-2 immunotherapy. J<br />

Immunother Emphasis Tumor Immunol 1995; 18: 119-23.<br />

7. Noll G. Pathogenesis of atherosclerosis: a possible relation to infection. Atherosclerosis<br />

1998; 140(suppl 1): S3-9.

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