Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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sua própria dinâmica perceptiva. Com o romantismo, o espírito do homem deixou de<br />
ser um mero espectador de figuras impressas, para se colocar no centro de montagem<br />
seqüencial dos quadros, das cenas, de cuja capacidade associativa e velocidade<br />
cognitiva se retiravam as mais variadas emoções 232 . Imersos na vertigem do choque e<br />
nos frenéticos andamentos da trama, o público tinha a oportunidade de compartilhar o<br />
pensamento de personagens desvairadas que, sob a tutela de escritores bem postos,<br />
forçavam os limites narrativos em direção a encaixes mais condizentes com o fluxo de<br />
consciência a que se queria ilustrar. Desta forma, as partículas produzidas pela<br />
fantasmagoria puderam-se fixar de modo orgânico no corpo do texto, sem que a notação<br />
ostensiva de um fragmento dispensável ao todo viesse incomodar a fruição literária.<br />
Por ser médico formado, Macedo possuía acesso a um outro material<br />
extremamente fértil para a composição da comunicabilidade psíquica, na época<br />
estudada em suas muitas manifestações por livros de inspiração eclético-espiritualista<br />
adotados, muitos deles, também pelos estudantes de Medicina brasileiros. A vertente de<br />
pensamento nutria verdadeira obsessão pela análise das faculdades da mente, e capítulos<br />
ou trechos sobre o funcionamento da memória e da lembrança povoavam suas páginas<br />
com descrições de imagens muitas vezes involuntárias, que faziam os olhares se<br />
perderem momentaneamente para observar o desfile das reminiscências. Em 1842, seis<br />
anos antes da publicação de Os dois amores, o médico e professor de patologia da<br />
Escola de Medicina de Paris, P.N.Gerdy, defendia nas páginas de Physiologie<br />
philosophique des sensations et de l’inteligence 233 , que as sensações e a inteligência<br />
adquirissem o mesmo peso para as análises empíricas do que aquele atingido pela<br />
anatomia e a patologia. Como a grande maioria dos intelectuais franceses da<br />
Restauração, engajava-se na luta por uma atenuação do materialismo iluminista e a<br />
reintegração da psicologia no rol das ciências humanas.<br />
Até o momento nenhum comentário explícito de Macedo autoriza qualquer<br />
afirmação de que leu o tratado de Gerdy, mas seu nome constituiu referência para<br />
232 Ao analisar os escritos estéticos de Novalis, Paulo d’Angelo observou que “a atividade reflexiva do<br />
intelecto relativamente ao real, precisamente como a reflexão de um objeto num espelho, nunca permite<br />
captar a realidade, mas apenas a sua imagem especular, invertida. O intelectual dá-nos a realidade por<br />
ordem inversa. Ele é incapaz de captar a identidade absoluta do eu, que preexiste a qualquer ato<br />
diferenciador relativizante do conceito. Aquilo que a reflexão encontra está já presente e só a imaginação,<br />
interpretada como faculdade absolutamente produtiva, abre o acesso à verdade, que é mais original que a<br />
própria separação entre eu e natureza, entre realidade e possibilidade”. D’ANGELO, op. cit., p. 71.<br />
233 GERDY, P.N. Physiologie philosophique des sensations et de l’intelligence foundee sur des recherché<br />
et des observations nouvelles et applications a la morale, a l’education, a la politique. Paris: Libraire de<br />
la Faculté de Médecine de Paris, 1846.