Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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Nem uma só nuvenzinha escura naquele imenso céu belo e sereno que estava criando;<br />
era uma dessas horas mágicas que em vão se procura nos dias que se passa na terra,<br />
horas que se vive meio-dormindo, meio-acordado, quando se está só, e se está<br />
sonhando... 230<br />
Acordou com um pequeno grito dado após ouvir a carruagem de Salustiano<br />
estacionar à porta do “Céu cor-de-rosa”. Emissário da culpa latejante, guardava consigo<br />
o segredo de um crime ocorrido há mais de dois lustros na Corte. Mariana, com a idade<br />
de 15 anos, engravidara de um sedutor e lhe enviara uma carta na qual confessava a<br />
gravidez indesejada junto ao assassínio do próprio filho, documento agora utilizado para<br />
obrigá-la a obstruir o relacionamento da irmã adotiva. Depois de pedir a Cândido, rapaz<br />
pobre, que não mais freqüentasse sua residência, obrigou-o, novamente sob a pressão do<br />
chantagista, a escrever uma carta desistindo de seu amor por Celina. As manobras,<br />
inicialmente levadas por um egoísmo displicente – afinal, o fato terrível do passado<br />
maculava sua moral, impedindo suas segundas núpcias com Henrique –, repetidas com<br />
cada vez mais insistência fizera com que as contradições em sua personalidade<br />
aflorassem.<br />
Este momento não demorou a ocorrer. Mostrando um descontrole visível diante<br />
do pai, negou a existência de qualquer segredo afligindo-a, e a negativa de confissão ao<br />
zeloso e respeitável senhor possibilitou a entrada de um capítulo dentro do qual os<br />
terrores da alma atormentada, enfim, tomaram a escritura, levando-a às vertiginosas<br />
regiões da imaginação descontrolada. Para fazê-lo com o máximo de proveito por parte<br />
de seus contemporâneos, Joaquim Manuel de Macedo contava com um amplo suporte<br />
pedagógico, como, por exemplo, as observações presentes no livro Lições de eloqüência<br />
nacional, do padre Lopes Gama, utilizado pelos estudantes do Pedro II desde 1846:<br />
A imaginação, pois, consiste em uma combinação ou reunião nova de imagens, e nas<br />
correspondências, ou conformidade exata delas com a afeição, que queremos excitar nos<br />
outros. Se esta deve ser o terror, então a imaginação cria as Esfinges, anima as<br />
Fúrias(...): se admiração, ou o enlevo, cria de repente o jardim das Hespérides(...).<br />
Assim pois poderemos dizer mui bem, que a imaginação é a invenção em matéria de<br />
imagens, bem como em matéria de idéias de engenho. 231<br />
Neste verbete digressivo sobre a imaginação, Lopes Gama demonstrou que, na<br />
época da publicação de Os dois amores, os leitores brasileiros estavam sendo<br />
preparados para compor e descompor as imagens conforme os ditames do realismo<br />
filosófico, agora a serviço de uma estética sensível às pulsações de um cérebro atento a<br />
230 MACEDO, Dois amores, p. 273.<br />
231 MARTINS, A fonte subterrânea, op. cit., p.47.