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Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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284<br />

Nem uma só nuvenzinha escura naquele imenso céu belo e sereno que estava criando;<br />

era uma dessas horas mágicas que em vão se procura nos dias que se passa na terra,<br />

horas que se vive meio-dormindo, meio-acordado, quando se está só, e se está<br />

sonhando... 230<br />

Acordou com um pequeno grito dado após ouvir a carruagem de Salustiano<br />

estacionar à porta do “Céu cor-de-rosa”. Emissário da culpa latejante, guardava consigo<br />

o segredo de um crime ocorrido há mais de dois lustros na Corte. Mariana, com a idade<br />

de 15 anos, engravidara de um sedutor e lhe enviara uma carta na qual confessava a<br />

gravidez indesejada junto ao assassínio do próprio filho, documento agora utilizado para<br />

obrigá-la a obstruir o relacionamento da irmã adotiva. Depois de pedir a Cândido, rapaz<br />

pobre, que não mais freqüentasse sua residência, obrigou-o, novamente sob a pressão do<br />

chantagista, a escrever uma carta desistindo de seu amor por Celina. As manobras,<br />

inicialmente levadas por um egoísmo displicente – afinal, o fato terrível do passado<br />

maculava sua moral, impedindo suas segundas núpcias com Henrique –, repetidas com<br />

cada vez mais insistência fizera com que as contradições em sua personalidade<br />

aflorassem.<br />

Este momento não demorou a ocorrer. Mostrando um descontrole visível diante<br />

do pai, negou a existência de qualquer segredo afligindo-a, e a negativa de confissão ao<br />

zeloso e respeitável senhor possibilitou a entrada de um capítulo dentro do qual os<br />

terrores da alma atormentada, enfim, tomaram a escritura, levando-a às vertiginosas<br />

regiões da imaginação descontrolada. Para fazê-lo com o máximo de proveito por parte<br />

de seus contemporâneos, Joaquim Manuel de Macedo contava com um amplo suporte<br />

pedagógico, como, por exemplo, as observações presentes no livro Lições de eloqüência<br />

nacional, do padre Lopes Gama, utilizado pelos estudantes do Pedro II desde 1846:<br />

A imaginação, pois, consiste em uma combinação ou reunião nova de imagens, e nas<br />

correspondências, ou conformidade exata delas com a afeição, que queremos excitar nos<br />

outros. Se esta deve ser o terror, então a imaginação cria as Esfinges, anima as<br />

Fúrias(...): se admiração, ou o enlevo, cria de repente o jardim das Hespérides(...).<br />

Assim pois poderemos dizer mui bem, que a imaginação é a invenção em matéria de<br />

imagens, bem como em matéria de idéias de engenho. 231<br />

Neste verbete digressivo sobre a imaginação, Lopes Gama demonstrou que, na<br />

época da publicação de Os dois amores, os leitores brasileiros estavam sendo<br />

preparados para compor e descompor as imagens conforme os ditames do realismo<br />

filosófico, agora a serviço de uma estética sensível às pulsações de um cérebro atento a<br />

230 MACEDO, Dois amores, p. 273.<br />

231 MARTINS, A fonte subterrânea, op. cit., p.47.

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