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Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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quebrava o andamento natural dos capítulos para o capricho de um evento revelador da<br />

estranha relação estabelecida entre as duas personagens. Sua intromissão na ordem do<br />

discurso, de uma certa forma, apontava já aspectos de uma mente para a qual o salto até<br />

as imagens ordinárias da culpa e do remorso constituíam uma espécie de ânimo<br />

patológico da heroína-vilã, ensaiando-se para se tornar parte integrante da própria<br />

diegese.<br />

O capítulo VII chamado Uma hora na vida passada iniciava-se num sarau na<br />

casa de Mariana e de seu marido senil, por esta época ainda vivo, com quem casou por<br />

força das convenções sociais. 229 Salustiano gabava-se diante de todos os rapazes<br />

presentes – incluindo entre eles, um ofendido Henrique – a façanha de retirar um cravo<br />

colocado na alça do vestido da beldade, anfitriã da animada festa, somente com o poder<br />

de sua sedução. O abusado mancebo saiu em direção à mulher e, com intimidade<br />

forçada, assediou-a no jardim, conseguindo a flor de troféu após um acontecimento cujo<br />

desenrolar ficou vetado aos leitores. Somente bem depois os motivos do poder de<br />

persuasão do jovem ardiloso puderam ser revelados. Aí a estratégia de jogar com um<br />

segredo sabido e cuja revelação poria em risco não somente a moral, mas o segundo<br />

casamento de Mariana, fizera o estrago esperado no relacionamento dos outros amores<br />

da trama. A viúva fora obrigada, em troca do silêncio do outro, a conspirar para que<br />

Cândido – rapaz pobre e órfão – desistisse das pretensões com relação à doce Celina e<br />

abrisse o caminho para as investidas do chantageador.<br />

Construído tal qual a evolução de um cerco cada vez mais fechado e<br />

intransponível, os encontros furtivos de Salustiano e Mariana amiudavam-se cada vez<br />

que os corações dos órfãos estreitavam-se e que a promessa de novas bodas com<br />

Henrique tornava-se um projeto possível. Joaquim Manuel de Macedo aos poucos<br />

povoou os pensamentos da viúva de maneira a futuramente poder desencadear um<br />

princípio de imagens em fuga, pressionando seu interior brumoso a se entregar às<br />

angústias de uma culpa presente, apesar de invisível. Num destes momentos<br />

preparatórios, ela se encontrava meio deitada no sofá da sala, sozinha no “Céu-cor-derosa”,<br />

contemplando em sua imaginação “o quadro de ardente felicidade que a<br />

esperava”:<br />

Seu mundo estava ali... dentro dela; dentro dela, em sua imaginação, reunia em belo<br />

grupo todos os entes que amava; conversava com eles, sorria para seu pai, recostada ao<br />

seio de Henrique.<br />

229 Idem, pp. 55-62.

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