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Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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tipicamente romântica, abrindo espacialidades fantasmais na sucessão do realismo mais<br />

prosaico, intencionando agregar organicamente no texto o lado oculto do “realismo<br />

filosófico” – o sonho, a memória e a lenda. Já em Os dois amores a natureza<br />

fragmentária da proposta obteve uma evidência muito maior. Aqui Macedo ousou mais<br />

nas dosagens sombrias e quebrou em alguns momentos a linha narrativa para com ela<br />

mostrar um pouco as vertigens de um pensamento oscilante, especialmente através da<br />

caracterização de Mariana, enveredando-se pelas regiões noturnas do ser humano.<br />

A história apresentava Mariana viúva, aguardando ansiosamente a oportunidade<br />

de segundas bodas com aquele que realmente amava, Henrique, um jovem conhecido<br />

por intermédio do próprio marido. Paralelo a este amor maduro corria a virginal<br />

aproximação de Cândido e Celina, na verdade a dupla de órfãos central de Dois amores.<br />

Com a ciência daquele que tomou para si a responsabilidade de narrar a história,<br />

Macedo desde o começo optou por produzir uma trama cujas revelações surgiam ao<br />

sabor de uma imaginação vagueante, elucubrativa, capaz de cortar abruptamente o fio<br />

narrativo para nele introduzir fragmentos soltos da memória, do sonho e dos transtornos<br />

psíquicos. Favoreceu-o a colocação de um jogo de pontos de vistas dentro do qual<br />

obteve as margens para omitir ou retomar as questões conforme a perspectiva de cada<br />

uma das personagens adquiria um primeiro plano – basta saber que o romance iniciouse<br />

com os mexericos promovidos por Jacó e Helena, os vizinhos do “Céu Cor-de-Rosa”<br />

(casa da abastada Celina) e do “Purgatório trigueiro”(casa do pobre Cândido). Após<br />

apresentar todos os respectivos núcleos familiares em torno do casal protagonista, o<br />

autor resolveu cortar para um acontecimento misterioso e aparentemente deslocado do<br />

eixo central, ocorrido pelo menos cinco anos antes.<br />

Na verdade, Macedo explorou ao máximo estas aberturas do tempo presente<br />

para as irrupções do passado, como no momento em que os motivos da melancolia e<br />

aspectos da vida de Cândido revelaram-se por uma sutil intrusão do autor no sótão<br />

habitado pelo jovem, colocando o leitor numa posição estratégica após o sono pender<br />

sua cabeça sobre as folhas anotadas de um diário. Os escritos esparramaram-se de modo<br />

a fazerem visíveis os conteúdos de uma memória devidamente anotada, na qual o<br />

desamparo da orfandade ou o seu impronunciável amor por Celina surgiam no silêncio<br />

de uma breve e angustiosa sonolência. 228 O artifício escolhido para rememorar o<br />

mistério envolvendo Salustiano e Mariana, no entanto, fora muito mais violento, pois<br />

228 MACEDO, op. cit., pp. 13-22.

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