Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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281<br />
O amadurecimento da fantasmagoria no espectro sócio-cultural brasileiro pode<br />
ser confirmado analisando o desenvolvimento do romance na década de 1840, em cuja<br />
trama já se podia encontrar trechos mais requintados e genuínos de uma<br />
comunicabilidade fantasmagórica do que os rompantes artificiosos dos primeiros contos<br />
publicados nas folhas culturais da década de 1830. Se pegarmos o livro de Joaquim<br />
Manuel de Macedo, Dois amores 225 , e conseguirmos atravessar as incongruências e<br />
facilidades de um estilo sobejamente folhetinesco, o grato consolo de imagens saídas<br />
dos remorsos mais sentidos valerá toda a complacência inicial da leitura. O autor<br />
preparou a irrupção dos angustiosos quadros da memória após várias páginas de intensa<br />
pressão psicológica por parte de uma ardilosa personagem, o vilão Salustiano, sobre a<br />
mestiça fogosa Mariana, a mais complexa personalidade da trama. Certamente o livro<br />
ganhou em densidade com as manipulações sofridas pela morena, cuja forçada atuação<br />
em separar o casal protagonista deu ensejo a que o próprio romancista manipulasse a<br />
atenção do público, inserindo-o num jogo de simpatia e repúdio pelos dilemas da bela.<br />
Desde o seu primeiro romance, A moreninha, Joaquim Manuel da Macedo<br />
adquiriu fama com o modo fácil e natural de expressar pensamentos em forma de<br />
diálogos e pelo labirinto de fatos em que jogava seus leitores. Dutra Melo escreveu<br />
uma crítica muito oportuna na época do lançamento do livro, apontando a naturalidade e<br />
leveza através dos quais o cotidiano passou à ficção pela arte do romancista:<br />
O desenho é simples e regular; não se vê perplexo o espírito, nem se agita com<br />
ansiedade pelo êxito; as explicações fazem-se pouco esperar. O disforme, o horroroso<br />
são alheios ao plano; a ausência de grandes paixões, de rasgos sublimes, parece derivarse<br />
da linha estrita que o autor se traçara, não dando ao seu romance uma cor filosófica.<br />
Toques sombrios, posições arriscadas não derramam nele o terror; reinam em toda a<br />
parte jovialidade, abandono e harmonia. 226<br />
Dutra Melo elogiou ainda a boa combinação dos “quadros da vida amatória da<br />
juventude”, harmonizados para a justa beleza do todo, confirmando as incursões de uma<br />
crítica amadurecida nas exigências de ataque ao frenético, por esta época acelerando o<br />
ritmo de entradas e saídas de capítulos sangrentos para provocar a emoção dos<br />
leitores. 227 Com toda a leveza no trato das cenas encontrado em A moreninha, o<br />
primeiro romance de Macedo ainda assim não conseguiu escapar a uma fragmentação<br />
225<br />
MACEDO, Joaquim Manuel de. Dois amores. São Paulo: W.M. Jackson Inc. Editores, 1959.<br />
226<br />
ROMERO, Sílvio. História da literatura brasileira – tomo III. <strong>Rio</strong> de Janeiro: José Olympio, 1949, p.<br />
186.<br />
227<br />
ROMERO, op. cit., p. 188.