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Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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279<br />

trecho deu-se logo depois de Adolfo se acomodar na frágil palhoça, protegendo-se do<br />

temporal:<br />

Adolfo achava-se deitado em um rancho chamado pelos viajantes do alto da serra. Ele<br />

estava estupefato à vista de tal espetáculo, e admirava com entusiasmo o poder do<br />

Criador. E seu pensamento, como que se transferindo para lugares mais belos, para<br />

noites mais felizes, para espetáculos mais encantadores, lhe trazia a reminiscência dos<br />

sonhos de sua infância, dos seus amores... ele ainda pensava nela! 221<br />

Não custa inserirmos aqui uma das observações realizadas por Carus em suas<br />

Cartas e anotações sobre a pintura de paisagens, especialmente no momento em que<br />

diferenciou o enfoque da paisagística moderna da antiga, sendo a primeira impelida por<br />

uma nostalgia – patologia bastante recorrente nos manuais médicos do período –<br />

dolorosamente sentida ao invés de adequada a uma visão objetiva de mundo. 222 Pereira<br />

da Silva tentou algo neste sentido. De repente, após o mancebo pensar na distante<br />

amada, o tempo “pouco a pouco foi se abrandando, e cessou a chuva”, exportando o<br />

consolo de uma cálida lembrança, no caso, dos tempos em que ele e Maria<br />

desenvolveram o amor virginal e eterno. Antes de cortar a cena contemplativa em que a<br />

reminiscência fundiu-se com o estio da tempestade, Pereira da Silva fizera com que<br />

Adolfo mostrasse heroísmo descompromissado ao salvar Frederico, o traficante casado<br />

com sua paixão de infância, de uma tocaia de assaltantes postados nas dobras da<br />

montanha. 223 Só aí, depois de revelado o encontro dos rivais em meio aos cumes da<br />

221 SILVA, op. cit., p. 98. As imagens criadas por Pereira da Silva parecem tiradas de um verbete contido<br />

na Metafísica do belo, de Schopenhauer, no qual o filósofo alemão reflete sobre o sublime: “a impressão<br />

do sublime poderá ser sentida no mais alto grau por quem tiver a ocasião de ficar na costa marítima com<br />

tempo ruim e em meio das forças da natureza: as ondas sobem e descem, a rebentação golpeia<br />

violentamente os penhascos, espumas saltam no ar, a tempestade uiva, o mar grita, relâmpagos faíscam<br />

das nuvens negras e trovões explodem em barulho maior que o da tempestade e o do mar. Então, o<br />

espectador dessa cena, seguro em sua pessoa, recebe a impressão plena do sublime, na medida em que a<br />

duplicidade de sua consciência atinge a distinção máxima, a saber, ele se sente de uma só vez como<br />

indivíduo, fenômeno efêmero da Vontade que o menor golpe daquelas forças pode esmagar, indefeso<br />

contra a natureza violenta, dependente, entregue ao acaso, um nada que desaparece em face de potências<br />

monstruosas, e também como um sereno e eterno sujeito do conhecer, o qual, como condição de todos os<br />

objetos, é sustentáculo exatamente de todo esse mundo, a luta temerária da natureza sendo sua<br />

representação, ele mesmo repousando na tranqüila apreensão das Idéias, livre e alheio a todo querer e<br />

necessidade”. SCHOPENHAUER, Arthur. Metafísica do belo. São Paulo: Unesp, 2003, pp.109-110.<br />

222 “Comparamos nesta perspectiva a arte de paisagem antiga e moderna, e em seguida nos damos conta<br />

de que divergem precisamente nestas duas direções, em particular quando se fala de obras de arte<br />

destacadas; posto que se o artista moderno, oprimido entre as engrenagens de uma época de rápidas e<br />

singulares transformações, com a excitabilidade própria do talante poético há de sentir necessariamente<br />

mais funda sua ferida, surgirá assim nele a necessidade de dar voz a sua dor em sua arte (...). E de aí que a<br />

expressão predominante nessas obras seja a nostalgia. O impulso a sair do encarceramento de uma<br />

situação presente, ainda com risco de ter que entregar uma vida assim, produziu várias obras de arte<br />

semelhantes. Lápides e crepúsculos, abadias arruinadas e claros de lua, são os acordes da queixa de uma<br />

existência insatisfeita”. CARUS, op. cit., p. 206.<br />

223 SILVA, op. cit., p. 99.

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