Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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intuito de indicar as melhores formas de pintar a natureza como Cartas e anotações<br />
sobre a pintura de paisagem, de Carl Gustav Carus, punham nas mãos dos artistas<br />
plásticos todo um instrumental retirado das ciências naturais para compor um quadro o<br />
mais pitoresco possível, entretanto, completavam os conhecimentos tirados da<br />
fisiologia, taxonomia e ótica com a íntima excitação do ânimo, sem a qual “toda a arte<br />
está morta e acabada”. 208 Aliás, este estupor metafísico dado no encontro do homem<br />
com a natureza constituía a prerrogativa da própria ciência romântica, elemento que ia<br />
além das convenções sentimentais úteis à coloração de telas ou a descrição de capítulos<br />
pitorescos. Segundo Márcia Naxara:<br />
A ambientação do romance, os percalços vividos e sentidos pelos personagens, suas<br />
opiniões e sentimentos com relação à vida, tanto no contato mais íntimo com a natureza,<br />
como com aquilo que pode ser proporcionado pela civilização, bem conforme à idéia de<br />
que o artista trabalha no domínio do sentimento e da subjetividade, e o cientista no<br />
campo do conhecimento e da busca de uma verdade objetiva. Ao artista é lícito sentir,<br />
ao cientista conhecer – dois processos que, no entanto, se confundem e se entrelaçam,<br />
no que diz respeito ao conhecimento da natureza pelos homens, à sua problemática<br />
relação com ela, constituindo uma tessitura complexa, que não se revela ao primeiro<br />
olhar. 209<br />
A paisagem romântica brasileira, por maiores as minúcias com que foi descrita,<br />
esteve longe de um simples catálogo frio de vegetais, animais e minerais, pois sua<br />
assunção literária deveu-se a uma conjunção de temas difíceis de individualizar após a<br />
estabilização do conceito de “natureza”, tão incrustado na representação, que a simples<br />
menção da figura dispensava até a honestidade de uma emoção sentida, fruto de uma<br />
experiência realmente imersa na magnitude do espetáculo natural. Envolvendo os<br />
povos, dando-lhes a ambiência geográfica e climática a partir da qual se fixava a<br />
cultura, a importância do meio para a compleição espiritual dos povos constituiu a base<br />
das ciências humanas do período. Para a Medicina, por exemplo, os aspectos<br />
paisagísticos influíam diretamente nos temperamentos, como o indicado na obra de<br />
208 Carus mostrou que, para escrever sobre a natureza, é preciso ter um conhecimento profundo dos<br />
fenômenos físicos que a regem. Assim, para escrever um poema sobre nuvens, “fueron precisos largos y<br />
sérios estúdios atmosféricos, hubo que observar, juzgar y diferenciar, hasta alcanzar no solo um<br />
conocimiento acerca de la formación de las nubes como el que garantiza la simple observación sensorial,<br />
sino esse outro conocimiento que solo es fruto de investigación. Trás todo lo cual, la mirada del espíritu<br />
reunió y compuso las distintas facetas que irradiaba el fenômeno, y devolvió reflejado el núcleo del<br />
conjunto em uma apoteosis artística. Entendido así, el arte aparece entonces como cima de la ciência, y al<br />
escrutar com claridad y rodear com um velo de encanto los secretos de ésta, se vuelve, em el verdadero<br />
sentido de la palabra, místico, o como también lo há lhamado Goethe, órfico”. CARUS, Carl Gustav.<br />
Cartas y anotaciones sobre la pintura de paisaje. Madrid: Visor, 1992, p. 38.<br />
209 NAXARA, Márcia Regina Capelari. Cientificismo e sensibilidade romântica – em busca de um sentido<br />
explicativo para o Brasil no século XIX. Belo Horizonte: UNB, 2004, p. 241.