Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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crítica ao desenfreio das tramas vinculadas ao estilo, chamado na época de frenético, e a<br />
reabilitação de um processo criativo menos psicotrópico para salvar aquelas doces<br />
incursões nos estados da alma promovidas na leitura dos grandes escritores do<br />
gênero. 205<br />
Tanto Macedo como Pereira da Silva, ambos criadores de ponta do romantismo<br />
brasileiro, em épocas distintas expressaram um ideal de prosa que tentasse assimilar as<br />
penumbras sem que os contornos dos corpos, os caminhos da paisagem, ficassem<br />
perdidos na neblina das noites insones. Indicações destas confluências ideológicas<br />
muito bem dosadas achavam-se inclusive no Discurso sobre a história da literatura do<br />
Brasil, pois Gonçalves de Magalhães, logo no início de suas apreciações sobre as<br />
literaturas nacionais, destacou as circunstâncias de uma marcha conjunta entre o<br />
clássico e o moderno patrocinado pela França, Inglaterra, Itália, Espanha e Portugal,<br />
unindo um projeto de afirmação de representações nacionais, próprias, às lembranças da<br />
“mitologia antiga”. 206 De um modo geral, seu manifesto por uma figuração autóctone<br />
soube se aproveitar de um conjunto de imagens e citações simpáticas ao padrão clássico,<br />
algo totalmente justificável se houver a verificação de um contexto estratégico de<br />
absorção do idealismo presente também no Brasil. 207<br />
Observando os limites de uma interpretação de viés conservador, a formulação<br />
conceitual da paisagem conscientemente adotada pela intelectualidade brasileira tendeu<br />
para uma harmonização entre a frieza intacta de um documento e a notação de uma<br />
sentimentalidade espiritual, e se muitas vezes a construção psíquica das personagens<br />
ficou aquém da descrição do meio, isto se deveu mais às dificuldades encontradas nesta<br />
adequação estilística, a um profundo desajuste entre a situação sócio-econômica<br />
vivenciada no Brasil e os dilemas implicados na assunção do individualismo moderno,<br />
do que a uma tendência realista congênita. No mesmo período em que os escritores<br />
brasileiros experimentavam a sonoridade das palavras telúricas, manuais redigidos no<br />
205 Até Álvares de Azevedo, apontado como o escritor brasileiro que melhor traduziu o romantismo, ao<br />
discorrer sobre a história da literatura em Portugal vai afirmar Ferreira, dramaturgo lusitano do século<br />
XVIII, como modelo para a juventude brasileira, pois, “como Goethe na criação de Iphigenia”, construiu<br />
uma obra com a forma brilhante e fascinadora do romantismo e “o puro da severidade arquitetônica do<br />
classicismo”. AZEVEDO, op. cit., p. 370.<br />
206 MAGALHÃES. Domingos José Gonçalves de. “Discurso sobre a história da literatura do Brasil”.<br />
Ministério da Cultura/Fundação Biblioteca Nacional/Departamento Nacional do Livro.<br />
207 No prefácio da edição de 1837 de Poèmes antiques et modernes, Alfred de Vigny, escritor romântico<br />
francês admirado por Magalhães, vai escrever de sua compilação, que “le seul mérite qu’on n’ait jamais<br />
dispute à ces compositions, c’est d’avoir devancé, em France, toutes celles de se genre, dans lesquelles<br />
une pensée philosophiques est mise em scène sous une forme Èpique ou Dramatique”. VIGNY, Alfred<br />
de. Poèmes. Paris, 1987, p.12.