Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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195<br />
1834, Magalhães informava-o que na Universidade de Paris existiam “cadeiras só para<br />
explicar Dante, Tucídetes, Voltaire”, e que, toda a vez que retomava a leitura de uma<br />
tradução de Kant, lembrava-se do padre. Cinco meses depois, animado pelo fato do<br />
Instituto Histórico e Geográfico de Paris ter aceito o franciscano como membro,<br />
escreveu que “com a posteridade diante dos olhos” marcharia “no caminho da<br />
imortalidade, em que tem colhido tantos louros”. E completava:<br />
O padre mestre agora responderá ao Instituto agradecendo a sua nomeação; mandará<br />
também uma coleção dos Sermões, que tem impresso em diferentes tempos, e peço que<br />
faça uma memória que enviará quando puder sobre o estado da filosofia no Brasil, quer<br />
sobre a influência, que ela tem exercido nos costumes, governo etc., ou sobre a maneira<br />
por que ela tem sido ensinada, disposição do espírito do povo para receber já este ou<br />
aquele sistema. 21<br />
Tanta atenção demandada para o discurso de um pobre frade cego justificava-se,<br />
pois a importância de Monte Alverne para a cultura brasileira em formação era bem<br />
mais significativa do que as ideologias de um estado laico fazia supor. Certamente, a<br />
atração exercida diretamente sobre o ânimo de autores que debutavam na imprensa na<br />
década de 1850 decorria do fato do monge ter sido o “padrinho” da geração de<br />
escritores imediatamente anterior, estimulando os votos de jovens brasileiros para com<br />
o projeto de criação de uma literatura nacional. 22 Sua memória permaneceu intocada<br />
durante todo o século XIX. Estudantes do ensino médio abriam continuadamente suas<br />
cartilhas e encontravam entre suas lições anuais a biografia do franciscano, iniciada tal<br />
qual um conto de fadas:<br />
Há pouco tempo existia no convento de Santo Antônio d’esta cidade um padre cego,<br />
vergado pelos anos, torturado pela enfermidade, e que atraía o respeito e veneração de<br />
todos; o povo o considerava como uma relíquia preciosa do claustro antigo, e olhava<br />
para a cela desse frade como se encarasse um monumento... 23<br />
A desarticulação de seu mito com a entrada da República tem ligação com a<br />
prevalência tanto de uma abordagem secular da modernidade como da percepção de um<br />
pensamento híbrido, formalmente oscilante, manifestado por aqueles intelectuais<br />
situados no trânsito das formas românticas. Melhor remédio para o resgate de nomes tão<br />
21<br />
PINASSI, Maria Orlanda. Três devotos, uma fé e nenhum milagre. São Paulo: Editora Unesp, 1998,<br />
p.110.<br />
22<br />
AZEVEDO, op. cit., p. 9.<br />
23<br />
Idem, p. 3.