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Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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266<br />

deveria ser o cego de nascença, cuja deficiência o impedia de desconhecer as potências<br />

da natureza e, conseqüentemente, a manifestação da existência de Deus. Cegueira,<br />

ateísmo, as provocações do futuro romancista iam revolvendo as purezas e impurezas<br />

do invisível, sem poupar nem mesmo o nome da divindade.<br />

O debate recebeu alimento renovado em 9 de março de 1858. Jq.Sr. testaria uma<br />

vez mais os conhecimentos empiristas de Machado de Assis, chamando-os de<br />

inconseqüentes e afirmando “ que a teoria de idéias inatas é altamente filosófica, e que<br />

neste caso a sua aplicação é muito sensata”. Mais adiante atacaria outra das afirmações<br />

do oponente, a que afirmava ser impossível um cego de nascença ter noção da<br />

divindade:<br />

Perguntais ainda se pode o cego de nascença, sem uma só noção do mundo físico, fazer<br />

uma idéia exata da divindade?!com efeito! É uma contingência muito mesquinha essa<br />

em que pondes as provas da existência de Deus!! é acabar com todas as idéias<br />

imateriais em que se funda a crença dos espiritualistas sobre a divindade! É reconhecer<br />

a Deus, somente em suas obras, e fazer dependente de acontecimentos físicos, uma idéia<br />

toda dependente da alma!!.. 194<br />

Entre a réplica e a nova reação de Machado de Assis houve a participação de<br />

dois outros leitores cujas opiniões se alinhavam ao enfoque espiritualista, ou seja, para<br />

ambos, o cego por desgraça sofria muito mais do que o cego de nascença pelos mesmos<br />

motivos defendidos por Jq. Sr. O primeiro deles, Alcipe, cuja resposta fora publicada<br />

em 9 de março de 1858, abriu a defesa afirmando a saudade da visão perdida como a<br />

maior infelicidade dentre as infelicidades. 195 O outro, simplesmente denominado A., em<br />

12 de março, ressaltou o consolo de viver em um mundo coalhado por imagens<br />

interiores, na ilusão de cópias sem referências externas, paliativo não encontrado<br />

naquele que um dia encarou as belezas do mundo e, repentinamente, ficou privado de<br />

assisti-las para sempre. 196 Favoráveis à existência de uma capacidade imagética auto-<br />

194 ASSIS, op. cit., pp. 55-56.<br />

195 “Ah! Ambos bem infelizes são, mas o último deve sofrer mais. O primeiro tem curiosidade de ver o<br />

que nunca viu; o segundo, saudade do que viu. O primeiro diz: - Que pesar tenho de não poder ver!- O<br />

segundo: - Oh, dor! Eu já não poder ver!...- O primeiro, naturalmente, dotado de imaginação fria ou<br />

pouco estusiástica, não pode sentir com tanta veemência como o segundo, cuja vista foi roubada por<br />

qualquer fatalidade, em uma idade em que, senhor de todas as suas faculdades, de todos os seus sentidos,<br />

tinha podido apreciar e visto as imensas belezas, as imensas magnificências que por todos os lados nos<br />

rodeiam!” Idem, p. 57.<br />

196 “O cego de nascença faz idéias dos objetos, formas, imagens das coisas, e julga que essas idéias, que<br />

essas imagens, são verdadeiras, que seus pensamentos são certos, que são a cópia da realidade, e o seu<br />

espírito se satisfazem, e se contenta com isso; mas o homem que nasce vendo o sol com a sua luz tão<br />

brilhante, o céu com suas cores tão lindas, e com tantas estrelas, a terra com tanta beleza, e com tantas<br />

flores, o menino lindo como um anjo, e a mulher tão formosa, parecendo reunir no semblante todos os<br />

encantos do Criador, esse homem se depois cega, se considera que percebe que vive em uma escuridão

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