10.05.2013 Views

Capítulo 04.pdf - PUC Rio

Capítulo 04.pdf - PUC Rio

Capítulo 04.pdf - PUC Rio

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

265<br />

melhor do que elas são, fantasia um mundo a sua guisa”, enquanto o cego por desgraça<br />

“tem refletida na alma as cenas que pasmou e quando se recorda delas é sentindo a<br />

morte de suas melhores ilusões”. E completava:<br />

O cego de nascença tem uma vida toda espírito; a poesia, essa elasticidade da alma,<br />

como diz Lamartine, povoa o seu mundo de cenas fantásticas, que ele contempla uma<br />

realidade; e que melhor paisagista do que a poesia? 192<br />

Neste momento entrou Machado de Assis. Em 5 de março de 1858 assumiu no<br />

plural uma espera que deveria ser de todo o corpo editorial da revista, que, na sombra,<br />

“sem ninguém comunicar nossas intenções, os nossos pensamentos”, aguardava que<br />

alguém “agitasse a questão”. Ao que tudo indicava, o jovem articulista de A marmota<br />

aproveitara o tempo da expectativa para ruminar possíveis réplicas a algum desavisado<br />

espiritualista. Para ele, as argumentações de Jq. Sr. a favor do cego de nascença<br />

pecavam por indicar “uma conseqüência errada” e “diametralmente oposta à única<br />

conclusão possível do princípio estabelecido”. Idealizava a condição do desgraçado pela<br />

“aniquilação da vista”<br />

Isto importa um erro psicológico. Não é possível ao cego em questão criar este mundo à<br />

sua guisa: e a razão é esta: - A criação deste mundo espiritual só pode ser fantasiada<br />

pela imaginação e pelo raciocínio. Estas duas faculdades desenvolvem-se no centro das<br />

idéias; e as idéias são adquiridas pelos sentidos. Ora, sendo o cego de nascença<br />

totalmente estranho ao mundo físico, não pode receber idéias para povoar o seu mundo<br />

pela ausência do importante órgão da percepção visual: como idealizar, colorir e<br />

identificar-se com o seu mundo? 193<br />

Por toda a vida Machado de Assis combateu, às vezes com uma mordacidade<br />

bem menos indulgente que a apresentada aqui, o espiritualismo próprio ao seu tempo. A<br />

prova mais cruel e magistral deste embate ideológico viria no final do século XIX, no<br />

livro Memórias póstumas de Brás Cubas, em que o fantasma criado anulava a descrição<br />

de pura espiritualidade de seu estado atual para recompor o tempo passado, um espectro<br />

cuja presença subsistia unicamente na narrativa de uma lembrança. Pena sua obra<br />

madura ter sido realizada bem depois do período proposto aqui, mas os detalhes deste<br />

entrevero tido na imprensa anunciaram que a formação intelectual do autor incluiu<br />

leituras de importância fundamental para a confecção do “realismo filosófico” e,<br />

conseqüentemente, da expressão fantasmagórica característica de seus melhores<br />

momentos ficcionais. No final de sua resposta ao Jq. Sr., defendeu que o mais infeliz<br />

192 ASSIS, op.cit., pp.51-52.<br />

193 Idem, pp.52-55.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!