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Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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264<br />

cirurgias de catarata obtivessem sucesso e as observações subseqüentes fossem<br />

divulgadas pelas revistas científicas européias. Condillac, no Tratado das sensações 189 ,<br />

e Diderot, no Carta sobre os cegos 190 , destacaram as experiências feitas pelo Dr.<br />

Chezelden, que acompanhou metodicamente as reações de uma paciente logo após um<br />

procedimento cirúrgico com estas características. Assim que se defrontou com a<br />

realidade, o recém-operado percebeu os objetos na maior desordem e confusão, não<br />

conseguindo definir grandeza, forma ou volume naquilo em que punha os olhos.<br />

Portanto, aspectos referentes à restituição da vista a cegos de nascença, o<br />

desnorteamento inicial com relação à composição do mundo visível conseqüente de um<br />

olhar inexperiente, serviram como provas de uma interioridade despovoada de imagens<br />

inatas. Este uso por vezes incomodava os defensores de uma capacidade lógica<br />

entranhada na natureza da mente. Leibniz, assim como muitos detratores do empirismo,<br />

assegurava que os experimentos e especulações em torno da cegueira não levavam em<br />

conta a diferença entre as imagens propriamente ditas e as idéias exatas, pois mesmo<br />

privado da vista o ser humano poderia, mediante esforço de abstração, aprender<br />

geometria e até possuir noções de ótica. 191 Enfim, as especulações metafísicas<br />

continuavam acompanhando os ganhos da ciência para reorientá-los na direção de uma<br />

espiritualidade secular, e num país recém admitido nos meandros do materialismo<br />

científico bastava um mínimo estímulo para as dicotomias do corpo/espírito começarem<br />

a polarizar as opiniões. E foi exatamente isto que ocorreu na semana seguinte à<br />

publicação do mote realizado por Paula Brito em A marmota.<br />

Potencializada por leituras de Condillac – o Tratado das sensações fora uma<br />

presença constante nas bibliotecas públicas e particulares da época –, de compêndios<br />

médico-filosóficos, a simples pergunta em torno da infelicidade dos cegos gerou um<br />

campo de atração de grandes proporções especulativas. Assim, em 26 de fevereiro de<br />

1858, alguém denominado de Jq. Sr. veio em socorro da provocação de Paula Brito<br />

escrevendo um artigo intitulado Resolução filosófica a Demócrito, por si só uma<br />

provocação aos adeptos incondicionais da física corpuscular. Disse que “a questão<br />

apresentava-se essencialmente filosófica, e o grande campo para os sectários da doutrina<br />

espiritualista estava aberto com uma discussão toda metafísica”. Para ele, a infelicidade<br />

do cego de nascença minorava-se em função dele idealizar as coisas “colorindo-as<br />

189<br />

CONDILLAC, Étienne de. Tratado das sensações. São Paulo: Editora Unicamp, 1993, pp.186-196.<br />

190<br />

DIDEROT, Denis. Carta sobre os cegos endereçada àqueles que enxergam. São Paulo: Editora<br />

Escala, 2006, p.56.<br />

191<br />

LEIBNIZ, G.W. Nuevos ensayos sobre el entendimiento humano. Madrid: Alianza Editorial, 1992, p.147.

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