Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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cirurgias de catarata obtivessem sucesso e as observações subseqüentes fossem<br />
divulgadas pelas revistas científicas européias. Condillac, no Tratado das sensações 189 ,<br />
e Diderot, no Carta sobre os cegos 190 , destacaram as experiências feitas pelo Dr.<br />
Chezelden, que acompanhou metodicamente as reações de uma paciente logo após um<br />
procedimento cirúrgico com estas características. Assim que se defrontou com a<br />
realidade, o recém-operado percebeu os objetos na maior desordem e confusão, não<br />
conseguindo definir grandeza, forma ou volume naquilo em que punha os olhos.<br />
Portanto, aspectos referentes à restituição da vista a cegos de nascença, o<br />
desnorteamento inicial com relação à composição do mundo visível conseqüente de um<br />
olhar inexperiente, serviram como provas de uma interioridade despovoada de imagens<br />
inatas. Este uso por vezes incomodava os defensores de uma capacidade lógica<br />
entranhada na natureza da mente. Leibniz, assim como muitos detratores do empirismo,<br />
assegurava que os experimentos e especulações em torno da cegueira não levavam em<br />
conta a diferença entre as imagens propriamente ditas e as idéias exatas, pois mesmo<br />
privado da vista o ser humano poderia, mediante esforço de abstração, aprender<br />
geometria e até possuir noções de ótica. 191 Enfim, as especulações metafísicas<br />
continuavam acompanhando os ganhos da ciência para reorientá-los na direção de uma<br />
espiritualidade secular, e num país recém admitido nos meandros do materialismo<br />
científico bastava um mínimo estímulo para as dicotomias do corpo/espírito começarem<br />
a polarizar as opiniões. E foi exatamente isto que ocorreu na semana seguinte à<br />
publicação do mote realizado por Paula Brito em A marmota.<br />
Potencializada por leituras de Condillac – o Tratado das sensações fora uma<br />
presença constante nas bibliotecas públicas e particulares da época –, de compêndios<br />
médico-filosóficos, a simples pergunta em torno da infelicidade dos cegos gerou um<br />
campo de atração de grandes proporções especulativas. Assim, em 26 de fevereiro de<br />
1858, alguém denominado de Jq. Sr. veio em socorro da provocação de Paula Brito<br />
escrevendo um artigo intitulado Resolução filosófica a Demócrito, por si só uma<br />
provocação aos adeptos incondicionais da física corpuscular. Disse que “a questão<br />
apresentava-se essencialmente filosófica, e o grande campo para os sectários da doutrina<br />
espiritualista estava aberto com uma discussão toda metafísica”. Para ele, a infelicidade<br />
do cego de nascença minorava-se em função dele idealizar as coisas “colorindo-as<br />
189<br />
CONDILLAC, Étienne de. Tratado das sensações. São Paulo: Editora Unicamp, 1993, pp.186-196.<br />
190<br />
DIDEROT, Denis. Carta sobre os cegos endereçada àqueles que enxergam. São Paulo: Editora<br />
Escala, 2006, p.56.<br />
191<br />
LEIBNIZ, G.W. Nuevos ensayos sobre el entendimiento humano. Madrid: Alianza Editorial, 1992, p.147.