Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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vez mais com a aristocracia após as decepções da Revolução e do Império napoleônico,<br />
chegando mesmo a superá-la em seu tradicional desprezo ao burguês. 150<br />
Pesou também para o crepúsculo do ecletismo espiritualista suas ligações com o<br />
catolicismo, que por vezes fazia emergir em seu discurso uma religiosidade cuja<br />
sustentação se tornaria cada vez mais precária conforme se adentrava o século XIX. Isto<br />
tudo somado conspirou para que aspectos culturais da maior relevância implicados na<br />
divulgação do sistema acabassem diminuídos como, por exemplo, o resgate da filosofia<br />
de Maine de Biran, um dos primeiros pensadores franceses a questionar o empirismo,<br />
realizada por Victor Cousin. Seguindo o mesmo destino do zeloso divulgador de sua<br />
memória, aquele que, em escritos autobiográficos, reconheceu que “a percepção<br />
imediata do eu é a origem e a base única de todas as noções universais e necessárias de<br />
ser, de substância e de causa” 151 acabou como mais um ilustre desconhecido da história<br />
da filosofia. 152 Amigo de Cabanis, Royer-Collard, Ampère, Guizot, os irmãos Cuvier,<br />
Biran acolhia em sua casa o então jovem, futuro chefe da corrente eclética, onde se<br />
discutiam assuntos da maior importância metafísica:<br />
Pela percepção interna imediata, o sujeito eu distingue-se não apenas do objeto sentido<br />
ou pensado, isto é, da causa das afeições que experimenta por dentro ou dos objetos que<br />
se representam por fora, mas, além disso, distingue-se a si, no fundo da sua existência<br />
pessoal, das idéias e das sensações como representações que lhe chegam e passam<br />
incessantemente. 153<br />
Afora a absorção e a divulgação dos conceitos metafísicos de Maine de Biran,<br />
cujo revérbero chegou até as teorias de Bergson sobre a memória no final do século<br />
XIX, o ecletismo espiritualista guardou em suas muitas versões escritas elementos<br />
significantes para o rastreio dos caminhos percorridos pelo idealismo tanto na França<br />
como nos países sob seu âmbito de influência. Victor Cousin, juntamente com Mme de<br />
Staël, pode ser considerado o grande divulgador da filosofia alemã em seu país de<br />
origem e, sem dúvida, as reflexões moderadas sobre os conceitos polêmicos<br />
150<br />
OEHLER, Dolf. Quadros parisienses – estética antiburguesa (1830-1848). São Paulo: Companhia das<br />
Letras, 1997, p. 29.<br />
151<br />
MUELLER, F.L. História da psicologia – da antigüidade a Bergson (Vol. I). Portugal: Biblioteca<br />
Universitária, 2001, p. 355.<br />
152<br />
“Nas suas primeiras reflexões sobre o homem, Biran reconhece uma atividade original e irredutível,<br />
que escapou à análise lógica de Condillac e aos esquemas fisiológicos de Cabanis. Essa atividade original<br />
é o eu, que é uma força e um princípio de unidade. O eu toma consciência de sua força e de sua unidade<br />
no ato pelo qual ele se dispõe à atenção, na iniciativa que então ele assume, no esforço que emprega para<br />
dispor de seu cérebro e de seu corpo.(...) A atividade do eu não é uma força vital (biológica), mas um<br />
dado especificamente psicológico”. LARA, op. cit., p. 16.<br />
153<br />
MUELLER, op. cit., p. 355.