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Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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245<br />

incapacidade de recompor as certezas do real instalou-se no meio intelectual brasileiro<br />

para nunca mais sair. 143 Todo o sistema do ecletismo espiritualista mantinha-se coeso<br />

por um jogo retórico, dialético, que se dinamizava nas contraposições entre<br />

materialismo e idealismo sem aniquilar nenhuma de suas fontes geradoras. No Brasil,<br />

serviu para que conceitos antes considerados perigosos pela elite colonial acabassem<br />

assimilados com a naturalidade dos problemas cotidianos e, ao que parece, obteve<br />

sucesso o projeto de proliferação do “Eu” e mantimento da crua realidade escravocrata<br />

tão cara ao conservadorismo brasílico.<br />

Alguns contemporâneos resistiram em ver nesta conciliação uma via filosófica<br />

promissora, como o baiano D. Romualdo Seixas, que em 1844 chamou a atenção da<br />

mocidade para as especulações que saiam dos “escolhos do sensualismo” para naufragar<br />

“nos últimos limites de um idealismo exagerado”. 144 Citando Schelling – em seu último<br />

ensaio, o teórico alemão criticava o encaminhamento da filosofia em seu país 145 –, o<br />

padre temia que os jovens se perdessem “em uma filosofia de pura abstração, que<br />

diviniza o nada” e reduzia o cristianismo e a vida “a uma vã fantasmagoria”. Na<br />

seqüência, em 1846, fez uma das críticas mais estranhas ao ecletismo, o opúsculo As<br />

sombras de Descartes, Kant e Jouffroy a Mr. Cousin. 146 A estranheza consistia na opção<br />

de um recurso formal que colaborara para visualizar as erupções caprichosas da mente,<br />

distanciando-as das iluminações místicas mais afins com a proposta final do religioso.<br />

143 Segundo Figueiredo, “a verdade para o homem será sempre uma verdade humana, portanto, relativa ao<br />

homem, e é um contra-senso falar em verdade absoluta para o homem. Mais ainda, questionar se as idéias<br />

correspondem a uma realidade, a um mundo exterior a nós é desnecessário, pois é produto humano<br />

também esta idéia mesmo de realidade. Estamos igualmente certos de nossa existência como a do mundo<br />

que nos rodeia. A posição cartesiana é insustentável. Em suma, a questão do conhecimento humano só<br />

pode ser posta realisticamente se tomarmos em conta que os dados irredutíveis do conhecimento são: o<br />

sujeito, com a organização intelectual que lhe é própria; os objetos que se relacionam com nossa<br />

inteligência”. LARA, op. cit., p. 85.<br />

144 JUNQUEIRA, op. cit., p. 85.<br />

145 D. Romualdo Seixas deve ter lido a introdução que Schelling havia escrito para a tradução alemã dos<br />

Fragments philosophiques, de Victor Cousin, em 1836. Cousin aproveitou-a na segunda edição francesa,<br />

dinamizando o profícuo diálogo do país com o idealismo alemão. O grande mentor da estética romântica<br />

germânica utilizou o prefácio para quebrar o silêncio que vinha mantendo durante anos e externar o<br />

descontentamento com os rumos do pensamento alemão, especialmente os tomados com as elocubrações<br />

metafísicas de Hegel. Segundo ele, “os alemães haviam se limitado a filosofar exclusivamente entre eles<br />

durante tanto tempo que pouco a pouco estavam se distanciando cada vez mais, em pensamentos e<br />

palavras, do que geralmente era ininteligível, e o grau deste distanciamento quase se converteu finalmente<br />

no critério para distinguir a maestria filosófica. Apenas necessitamos aduzir exemplos. Como as famílias<br />

que se isolam do trato comum, vivendo só entre si, e finalmente adotam, aparte de outros idiotismos<br />

repelentes, também expressões próprias que nada mais entendem entre eles, assim aconteceu com os<br />

alemães com respeito a filosofia”. Mais adiante, elogiou o empirismo e poder de exposição da filosofia<br />

francesa, afirmando ser impossível alcançar a realidade efetiva com a metafísica do “puramente racional”.<br />

“Contrastes”. Revista Interdisciplinar de Filosofia. Vol. VII (2002). Universidade de Málaga: 2002 pp.<br />

201-218.<br />

146 JUNQUEIRA, op. cit., pp. 89-108.

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