Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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evidenciando cada vez mais as afinidades com relação à escola filosófica que a<br />
princípio se viu na obrigação moral de criticar:<br />
Concedemos que as modificações intelectuais não sejam elementos materiais; mas o que<br />
não entendemos, e portanto não podemos conceder, é o que seja modificação imaterial,<br />
e o como ela efetua-se para dar nascimento ou explicação às diferenças da inteligência.<br />
Não serve, para o caso, a intimidade da união entre a alma e o corpo, porque, sobre ser<br />
ela misteriosa, e uma das coisas que só se crê por fé, na presente hipótese a organização<br />
em nada concorre, e o espírito pensa independente dela, e tem por isso de explicar os<br />
fenômenos cuja razão daria o organismo. 139<br />
O que poderia ser uma vigorosa discussão entre um materialista e um idealista<br />
transformou-se aos poucos num fórum de palavras e terminologias que se mesclavam<br />
para alçar o ecletismo como a saída honrosa aos dilemas do real. Importante ter em<br />
mente que o empirismo científico fora instaurado no Brasil no momento em que suas<br />
bases já estavam sendo questionadas na Europa, especialmente na França, ou seja, no<br />
Brasil a falta de intervalo na recepção destas correntes de pensamento impediu a<br />
existência de materialistas puros, digamos assim, neste início de século XIX. De certa<br />
forma o espiritualismo – tanto em seu sentido metafísico como religioso – bulia em<br />
conceitos que uma falsa sensação de progresso científico havia encoberto levemente, e a<br />
postura oscilante do Dr. Manoel Genésio de Oliveira com relação ao discurso<br />
materialista representou a nostalgia de uma espiritualidade até então insuperada. Não<br />
estranha, portanto, o fato das faculdades médicas deixarem para trás às resistências vãs<br />
e adequarem seu currículo aos novos tempos, abrindo espaço para a “Medicina<br />
Eclética”. 140<br />
Se o materialismo chegara ao Brasil amaciado pelo avanço das questões<br />
espiritualistas, tampouco o idealismo grassara com força suficiente para produzir<br />
filosofia imperiosa na destruição da natureza clássica e na instauração de um princípio<br />
de subjetividade radical, dado a entender por muitos filósofos ligados a primeira escola<br />
139 JUNQUEIRA, op. cit., p. 26.<br />
140 Em 1849, Miguel Rodrigues Barcelos defendeu, na Faculdade de Medicina do <strong>Rio</strong> de Janeiro, tese<br />
intitulada Algumas considerações sobre o ecletismo em medicina, na qual criticou o conceito maquinal de<br />
corpo (“só enxergaram nos órgãos poles, cordas, rodas e outros instrumentos mecânicos!”) e defendeu a<br />
existência de “forças vitais”, sem as quais o movimento dos corpos jamais obteria uma resposta razoável.<br />
“Tal é o nosso credo médico, e as apoucadas reflexões que hemos emitido, sobejas são para evidenciar<br />
que a lógica médica travando-nos do braço conduz-nos passo a passo do solidismo ao humorismo, e deste<br />
ao vitalismo: do órgão transporta-nos aos tecidos elementares, daí aos glóbulos líquidos, e depois às<br />
forças que impelem e dirigem estes últimos, de maneira que parecemos percorrer um círculo cujo<br />
encontro definitivo prova simultaneamente não só a insuficiência individual de cada um dos sistemas,<br />
como também sua recíproca necessidade”. BARCELLOS, Miguel Rodrigues. “Algumas considerações<br />
sobre o ecletismo em medicina”. Apresentada à Faculdade de Medicina do <strong>Rio</strong> de Janeiro, sustentada<br />
perante a mesma no dia 6 de dezembro de 1849.