Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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que na Europa já vinham reordenando a narrativa, realizando associações mais<br />
favoráveis aos fluxos descontínuos de imagens. Assim demonstrou o brasileiro Monte<br />
Alverne em vários momentos de seu Compêndio de filosofia:<br />
Minha alma só pode pois julgar das qualidades dos objetos conforme a maneira com que<br />
cada sentido as manifesta. Mas esta manifestação está necessariamente circunscrita nos<br />
limites mais ou menos estreitos de cada sentido: os sentidos não podem pois manifestar<br />
a minha alma os objetos tais quais eles são em si mesmos: eles só os podem manifestar<br />
numa relação determinada com a sua maneira de obrar combinada com o modo de<br />
perceber a alma. 125<br />
Mas Monte Alverne parecia desconhecer o quanto o trabalho de Cousin já estava<br />
vulgarizado no momento em que acelerava a escrita, em 1858, – na verdade ele ditou o<br />
trabalho para um escriba, por estar em grau avançado de cegueira – no intuito de<br />
concluir seu compêndio. Ou então desprezava solenemente outras contribuições de<br />
suma importância para a divulgação do ecletismo espiritualista no Brasil simplesmente<br />
para valorizar a sua própria autoridade eclética, pois seus conhecimentos remontavam à<br />
década de 1830, quando lecionava no Seminário São José. Gonçalves de Magalhães foi<br />
um dos que guardou uma dívida eterna com o padre por abrir sua mente para as<br />
imaterialidades do conhecimento. Em 1834, remeteu da Europa uma carta que dizia “o<br />
Cousin ainda está em viagem e acaba de publicar um livro sobre o ensino na Alemanha<br />
e na Prússia, obra esta de bastante utilidade”, parecendo conversar a respeito de um<br />
velho conhecido dos dois. 126 E, realmente, o franciscano poderia se gabar da intimidade<br />
intelectual com o chefe da corrente filosófica já que, juntamente com os baianos Frei<br />
José do Espírito Santo e Salustiano José Pedrosa, foi um dos primeiros a disseminá-lo<br />
para a juventude brasileira. 127<br />
Tal posicionamento intelectual destoava do empirismo mitigado 128 , então<br />
voltado para uma percepção ao nível do tato, materialista, que desde o século XVIII<br />
125<br />
ALVERNE, Compêndio de filosofia, op. cit., p. 74.<br />
126<br />
PINASSI, op. cit., p.102.<br />
127<br />
PAIM, Antônio. O estudo do pensamento filosófico brasileiro. <strong>Rio</strong> de Janeiro: Tempo Brasileiro,<br />
1979, p. 36.<br />
128<br />
“A julgar pelas informações disponíveis, a filosofia continuava sendo ensinada segundo o modelo do<br />
empirismo mitigado. Essa doutrina aparecia sob o patrocínio de Antônio Genovesi (1713-1769), filósofo<br />
italiano adotado pela universidade portuguesa, sob Pombal, pela impossibilidade (política, sobretudo) da<br />
introdução direta de John Locke(1632-1704). Consistia num sensualismo que ignorava os problemas<br />
suscitados pela evolução do empirismo inglês, notadamente o papel da sensação; o caráter e os<br />
fundamentos da causalidade; e a coexistência do conhecimento empírico com o demonstrativo. Essa<br />
espécie de sensualimso acabaria, no Brasil, completando-se por uma doutrina ético-política que se<br />
resumia a uma interpretação radical do liberalismo, nos moldes da pregação de Frei Caneca (1774-1825).<br />
Os ensinamentos de Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) não eram, portanto, tomados como