Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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levou a uma fragmentação ilustrativa dos desarranjos da mente. 117 As formas abriam-se<br />
para dimensões pouco encaixáveis na série contínua exigida pela literatura classicista.<br />
Assim, para cumprir a promessa de escrever conforme o dado através dos<br />
sentidos, os escritores passaram a romper a integridade da prosa ideal intencionando<br />
uma comunicação o mais ilustrativa daquelas preconizadas pelos tratados do<br />
entendimento humano. Para que os conteúdos da memória, as imagens oníricas e os<br />
limites de um ponto de vista centrado no sujeito ganhassem fórum de narrado, então,<br />
novos encaixes deveriam ser pensados no intuito de dar vazão ao fragmento suspenso da<br />
intimidade. Tarefa complexa, que exigia dos escritores a perícia em resgatar de dentro<br />
de si mesmos estes pedaços soltos do inconsciente e assimila-los organicamente às<br />
ações, sem comprometê-las demasiado com um sentido de dissolução radical. Nestes<br />
exercícios formais, a fantasmagoria foi ganhando credibilidade discursiva e<br />
configurando sua expressividade hesitante, deslocada, canonizada pelos recursos<br />
ficcionais modernos.<br />
Levando-se em conta a preocupação evidente dos teóricos do conhecimento em<br />
manter a imagem o maior tempo possível no intervalo existente entre o objeto e a<br />
sensação imediata, resulta falso responsabiliza-los por uma consciente ruptura com os<br />
longevos conselhos aristotélicos. Mas, ao contrário dos antigos filósofos e oradores, ao<br />
tentar estabelecer os princípios associativos que sustentavam o composto das idéias, os<br />
modos mistos, acabaram deixando para trás as amarras seguras das palavras com as<br />
coisas e ensejando os experimentos artísticos-filosóficos posteriormente concluídos pelo<br />
romantismo alemão. Depois que Hume, mais a título ilustrativo que propriamente<br />
conceitual – provavelmente inspirado pela leitura de Longino –, utilizou a conformidade<br />
da arte para espelhar os recursos da mente, as cadeias de imagens liberadas no contato<br />
especular deram ensejo aos conceitos abstratos do belo e do sublime, palavras caras ao<br />
ideário romântico. Kant, em vários momentos de seus escritos, prestou a devida<br />
referência ao filósofo escocês seja nominalmente, seja conceitualmente, desenvolvendo<br />
117 “Supomos que nossas percepções não são mais interrompidas, que preservam uma existência contínua<br />
e invariável, e que, por isso, são inteiramente idênticas. Mas as interrupções na aparição dessas<br />
percepções são aqui tão longas e freqüentes que é impossível desprezá-las; e como a aparição de uma<br />
percepção na mente e sua existência parecem à primeira vista exatamente a mesma coisa, pode-se duvidar<br />
de que algum dia sejamos capazes de concordar com uma contradição tão palpável e supor que uma<br />
percepção exista sem estar presente à mente. Para esclarecer essa questão e descobrir como a interrupção<br />
na aparição de uma percepção não implica necessariamente uma interrupção em sua existência, será<br />
conveniente tocar em alguns princípios que mais tarde teremos ocasião de explicar de maneira mais<br />
completa”. HUME, Tratado da natureza humana, op. cit., p. 239.