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Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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literatura obteve grande atenção do público inglês. Preocupações desmedidas com os<br />

espíritos do além – especialmente as editoriais – levaram inclusive Howard Phillips<br />

Lovecraft, em seu estudo clássico O horror sobrenatural na literatura, diminuir a<br />

relevância fantasmática do autor de Moll Franders 107 por fazer propaganda explícita do<br />

livro do médico e pastor protestante Charles Drelincourt, Consolo da alma fiel contra o<br />

medo da morte (1651), cujas expectativas de vendagem não tinham sido cumpridas até<br />

então. Se o “merchandising” produzido no conto de A aparição da Sra. Veal salvou ou<br />

não o exemplar do limbo pouco importa aqui, já que o fato tornou-se apenas um<br />

pretexto esquecido dentro de uma história hoje clássica nos anais do sobrenatural.<br />

A aparição da Senhora Veal iniciava-se de maneira convencional pelos padrões<br />

das ficções em prosa do período, ou seja, esforçava-se ao máximo para que o leitor<br />

acreditasse na veracidade daquilo que seria exposto em seguida. “Este relato é<br />

verdadeiro e cercado por muitas circunstâncias que podem induzir qualquer homem<br />

sensato a acreditar nele”, escreveu Defoe. “Foi enviado por um cavalheiro, um juiz da<br />

paz em Maidstone, no Kent, e pessoa de muita inteligência, a um amigo seu em<br />

Londres, tal como está aqui redigido”. 108<br />

Conspirava contra a total honestidade do autor uma vida inteira dedicada a<br />

inventar histórias e prefácios dúbios o suficiente para confundir os leitores quanto a sua<br />

veracidade. Independentemente de seu engajamento à causa dos espíritos, ao induzir os<br />

leitores a dar crédito a suas palavras, seguia uma convenção literária bastante utilizada<br />

por inúmeros escritores do período. Walpole introduziu a primeira edição de O castelo<br />

de Otranto delegando-a a um impresso achado na biblioteca de uma antiga família<br />

católica, escrito “em letras góticas”. 109 O método persuasivo justificava-se menos pelo<br />

(1681; by Joseph Glanvill ), The Certainty of the World of Spirits (1691; by Richard Baxter) and<br />

Universal History of apparitions, &c.(1727; by Defoe himself), make clear serious ‘theologicopropagandic’<br />

purpose wich is absent from the line of supernatural fiction beginning with The Castle of<br />

Otranto in 1764. And yet, as Coleman O. Parsons (1956) hás shown, apparition narrative provided a<br />

stepping-stone from a largely oral and popular culture of ghost stories to a new literary tradition led by<br />

esthusiastic consumer demand. Defoe’s A true Relation bears he hallmark of philosophical debate in its<br />

emphasis on authenticity, but there are also not-so-discreet references to the marketability of its subject”.<br />

CLERY, E.J, MILES, Robert. Gothic documents – a sourcebook (1700-1820). EUA: Manchester<br />

University Press, 2000, p. 5.<br />

107 “Em todo o século XVII e parte do XVIII observamos uma massa efêmera de lendas e baladas de<br />

feição astrosa, se bem que reputada muito abaixo da literatura refinada e consagrada. Folhetins de horror<br />

e assombração proliferaram, e podemos entrever o ávido interesse popular através de fragmentos como A<br />

aparição da Mrs. Veal de Defoe, um relato prosaico de visita espectral de uma morta a uma amiga<br />

distante, escrita para disfarçadamente promover uma dissertação teológica sobre a morte, que vendia<br />

mal”. LOVECRAFT, op. cit., p. 11.<br />

108 DEFOE, op. cit., p. 9.<br />

109 “A presente obra foi descoberta na biblioteca de uma antiga família católica, no norte da Inglaterra.<br />

Foi impressa em Nápoles, em letras góticas, no ano de 1529”. WALPOLE, op. cit., p. 13.

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