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Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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227<br />

mal ao uso deturpado da imaginação por escritores somente interessados em utilizar<br />

“fantasmas para a construção de castelos no ar”, alimentando somento o egotismo e o<br />

humor próprios. “Ele talvez também escrevinhe suas fantasmagorias, e daí vêm a lume<br />

os romances comuns de todos os gêneros que divertem seus iguais e o grande público”,<br />

concluiu, mas que se distanciavam da sublimidade contida na real beleza urdida pelo<br />

gênio. 102 Poucos teriam a capacidade de se libertar da percepção de causa e efeito, dos<br />

grilhões da temporalidade, para, mediante uma intuição acima da vontade, pôr no papel<br />

figuras íntegras de uma idealidade fora do âmbito da racionalidade.<br />

Dentro da filosofia das formas artísticas, o primeiro a notar estas quebras de<br />

continuidade narrativa nas ficções em prosa, especificamente, e mostrar a constituição<br />

de uma poética assentada no ânimo do indivíduo foi Georg Lukács. Em A teoria do<br />

romance, publicada em 1920 sob uma forte influência do historicismo hegeliano, o<br />

filósofo húngaro apontou a forma literária como o suporte ideal para o pouso das<br />

imagens demoníacas, produtos da redução da grande épica grega às ironias do homem<br />

solitário, em cuja extensão flexível pudera atrair as cadeias desritmadas do sofrimento e<br />

da laureação, da luta e da coroação, do caminho e da consagração. 103 Os grandes blocos<br />

de frases assentados no branco do papel, constituídos por pequenos signos migrantes,<br />

fixavam o olhar e, ao mesmo tempo, conduziam-no por caminhos cobertos por<br />

pontuações desviantes, como num fluxo contínuo de um inseto encaracolado que se<br />

abria aos poucos e deixava à mostra suas couraças irregulares. Sem dúvida, somente a<br />

concatenação de uma quantidade substancial de parágrafos, ou seja, o produto literário<br />

com as características das ficções em prosa, teria a estrutura capaz de compor a natureza<br />

etérea dos sonhos sem romper a substancialidade lógica da palavra vivida.<br />

4.4- Uma aparição simples<br />

Exemplo curioso destes procedimentos nascidos com a notação de que o narrado<br />

correspondia a um modo de organização muitas vezes estranho a uma pretensa<br />

harmonia natural residiu na série de contos de fantasmas realizada por Daniel Defoe no<br />

início do século XVIII para o jornal The review. 104 Longe ainda das concepções<br />

102 SCHOPENHAUER, Metafísica do belo, op. cit., p.65.<br />

103 LUKÁCS, Georg. La teoria de la novela. Barcelona: Ediciones Grijalbo, 1975, p. 326.<br />

104 DEFOE, Daniel. Contos de fantasmas. Porto Alegre:L&PM POCKET, 1997.

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