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Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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191<br />

Deve-se lembrar a responsabilidade do próprio monge na fixação deste<br />

semblante penoso, levado adiante por escritores abismados com seu retorno à cena<br />

intelectual do Império. Pode-se acompanhar hoje o que foi dito naquela manhã de<br />

outubro por ter o Segundo Panegírico de São Pedro de Alcântara sido publicado em<br />

suas obras oratórias completas. O sermão soou impessoal até a primeira metade, quando<br />

Monte Alverne de maneira sutil torceu as palavras de modo a confundir a figura do<br />

santo português, patrono do Brasil, com a do imperador D. Pedro II. Após sustentar as<br />

imagens majestosas e fortes através de gestos contidos e projeção de voz nítida,<br />

sucumbiu ao peso da doença e das lembranças que outrora o fizeram um dos maiores<br />

oradores sacros do seu tempo:<br />

Não, não poderei terminar o quadro, que acabei de bosquejar! Compelido por uma força<br />

irresistível a encetar de novo a carreira que percorri vinte e seis anos, quando a<br />

imaginação já está extinta, quando a robustez da inteligência está enfraquecida por<br />

tantos esforços, quando não vejo as galas do santuário e eu mesmo pareço estranho a<br />

aqueles que me escutam, como desempenhar este passado tão fértil de reminiscências,<br />

como reproduzir esses transportes, esse enlevo com que realcei as festas da religião e da<br />

pátria? É tarde! É muito tarde!!...Seria impossível reconhecer um carro de triunfo neste<br />

púlpito, que há dezoito anos é para mim um pensamento sinistro, uma recordação<br />

aflitiva, um fantasma infenso e importuno, a pira em que arderam meus olhos e cujos<br />

degraus desci só e silencioso para esconder-me no retiro do claustro. 9<br />

Certamente o grau de autoconsciência das palavras acima deve ter causado<br />

grande impressão naqueles que lotavam a Capela Imperial. A repercussão da imagem<br />

em inúmeras crônicas do período justificou-se por esta aparição inquietante. Monte<br />

Alverne encarnava naquele momento preciso o corpo e a voz remanescente de um<br />

período de esplendor da sermonística brasileira e, de uma forma um tanto cruel, o seu<br />

canto do cisne. Pois se o púlpito no Brasil português obteve seu período de<br />

renascimento em finais do século XVIII e início do século XIX, declinou seu poder de<br />

atração à medida que se ia afirmando uma cultura das letras e, em meados do<br />

oitocentos, tornara-se algo próximo a uma doce lembrança domingueira. 10 Nomes como<br />

de frei Souza Caldas, São Carlos, Sampaio e Januário da Cunha Barbosa, oradores que<br />

9<br />

ALVERNE, Fr. Francisco do Monte Alverne. Obras oratórias – Vol. 3. Porto: Casa de A.R. da Cruz<br />

Coutinho, 1885, p. 194.<br />

10<br />

“Esta decadência pode ser entendida em dois sentidos: pode-se admitir que o surgimento de uma<br />

literatura de caráter nacional supriu as necessidades culturais antes preenchidas pela sermonística ou que<br />

as relações entre Estado e Igreja não colaboravam para a credibilidade da Igreja junto à opinião pública,<br />

que vivia numa sociedade que não comportava mais o prestígio que D. João VI conferia aos seus<br />

pregadores. Em resumo, no segundo quartel do século XIX, no <strong>Rio</strong> de Janeiro, a população tinha outros<br />

assuntos e outros espaços para compartilhar”. DURAN, “Frei Francisco de Monte Alverne pregador<br />

imperial”, op. cit., p. 1.

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