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Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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Nietzsche, para quem o pensamento romântico interessou a ponto de torná-lo<br />

uma voz deslocada no tempo, pareceu comentar sessenta anos depois, numa espécie de<br />

adendo ou nota, as palavras de Schelling, quando lecionava um curso sobre a tragédia<br />

de Sófocles na Universidade da Basiléia, em 1869. Para o autor de Assim falou<br />

Zaratustra:<br />

o ponto culminante do drama antigo começa onde, para nós, a cortina cai, e as partes<br />

mais interessantes dos nossos dramas, os quatro primeiros atos, não existiam no drama<br />

grego. Em Shakespeare pode-se até mesmo perceber que o entusiasmo do poeta por seus<br />

heróis diminui na última parte. Os processos psíquicos que precedem a ação o<br />

estimulam, enquanto a conseqüência deles estimula o poeta grego. Onde um recolhe, de<br />

preferência, as premissas, o outro tira as conclusões. No drama shakespeareano, são<br />

feitas as mais elevadas exigências por uma fantasia ativamente criadora, pressupondo<br />

um incrível salto no tempo e no espaço, no qual toda mudança de cena é imprescindível.<br />

(...) Tudo podia ser tudo, graças a uma permanente fantasia (...) Essa progressiva tensão<br />

da fantasia não era conhecida pelos gregos nas suas tragédias. Nestas, todas as imagens<br />

são perceptíveis. Agora, para se aprofundar é preciso interiorizar.<br />

Tanto Schelling quanto Niezschte notaram qua o drama moderno, em<br />

comparação ao antigo, transbordava os limites da síntese trágica para abrir<br />

espacialidades diacrônicas, corrompendo a apresentação bruta de um acontecimento, de<br />

uma ação, para divergir a seqüência em inúmeros quadros casados à incontinência<br />

fantástica. Música, drama e, como não poderiam faltar, as ficções em prosa, passaram a<br />

organizar os respectivos segmentos formais (movimento, ato, capítulo) atendendo aos<br />

princípios de harmonização das muitas dimensões mobilizadas pelo discurso, abrindo<br />

mão da verossimilhança clássica e admitindo no seio da narrativa os princípios de<br />

criação do fantasma, projetando do caráter meditabundo as cenas ilustrativas da fantasia<br />

– sonhos, delírios, reminiscências.<br />

Claro que, sob muitos aspectos, os tratados estéticos realizados pelos românticos<br />

condenavam expressamente o psicologismo fácil do romance inglês 101 – os modelos de<br />

literatura moderna eram Shakespeare, Cervantes e Goethe, basicamente –, exigindo das<br />

artes uma organicidade imediata intuída pela idéia, ao invés de fragmentos colocados a<br />

esmo no correr da percepção de tempo e nos limites do espaço. Schopenhauer em<br />

Metafísica do belo, por exemplo, levando adiante o pensamento de Schelling, reagiu<br />

101 “A partir desses poucos traços fica claro o que, tomado em seu sentido supremo, romance não pode<br />

ser: um mostruário de virtudes e vícios, um preparado psicológico de uma mente humana isolada, que<br />

seria conservada como num gabinete. Não devemos ser recebidos à porta de entrada por uma paixão<br />

destruidora, que nos carrega por todas as suas estações e, por fim, abandona o leitor atordoado ao termo<br />

de um caminho que ele por nada nesse mundo gostaria de percorrer outra vez”. SCHELLING, Filosofia<br />

da arte, op.cit., p. 304.

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