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Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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225<br />

Com o distanciamento de alguns séculos, as ambições iluministas em fundir<br />

num substrato translúcido as faces do significante e do significado, em exaurir em<br />

alguns volumes as relações das palavras com as coisas, mostraram-se mais um sonho<br />

engendrado pela razão do que algo possível de ser atingido em qualquer época. Ao<br />

deixar para trás os ícones fixados pela sensação no entendimento e tentar estabelecer os<br />

princípios básicos a partir dos quais eles se juntavam para criar novos sentidos, o<br />

classicismo entrou num território dentro do qual as imagens, libertas de uma referência<br />

externa imediata, ricochetavam ao sabor da fantasia. Ao se dobrarem sobre as reais<br />

implicações de um pensamento livre, individual, acabaram afrouxando os modelos de<br />

uma harmonia estrutural de natureza e pensamento, descortinando um mundo<br />

fragmentado pela instabilidade com que a própria faculdade respondia às contenções<br />

artificiosas. Justamente no esgarçamento da inteireza alegórica, na quebra do<br />

encadeamento de uma expressividade retilínea, que as ficções em prosa inseriram os<br />

fragmentos dignificantes do “realismo filosófico” e inauguraram o modo misto de<br />

narrativa.<br />

Estes experimentos formais com a coordenação rítmica dos segmentos fora algo<br />

profundamente sentido pelos teóricos da arte românticos, que se especializavam em<br />

denominar os índices de diferenciação entre a arte antiga e a moderna. Schelling deu<br />

atenção especial à música em suas aulas sobre filosofia da arte, justamente por ser ela<br />

capaz de ilustrar, em seu composto fluido e imaterial, os ensinamentos quanto ao ajuste<br />

da forma sobre o discorrer do tempo. 99 O pensador alemão, entretanto, ao elucubrar<br />

sobre a cadência vigorosa da musicalidade grega e as harmonizações complexas da<br />

moderna, não se furtou em compará-las formalmente às peculiaridades dos dramaturgos<br />

produzidos em cada uma das Eras. Escolheu Sófocles e Shakespeare para expressar aos<br />

leigos na linguagem das partituras os modos de cada época em organizar temporal e<br />

espacialmente os desdobramentos dos dramas universais:<br />

Uma obra de Sófocles tem puro ritmo, ali só a necessidade é exposta, ela não tem<br />

nenhuma extensão superficial; Shakespeare, ao contrário, é o maior harmonista, o<br />

mestre do contraponto dramático; o que com isso se nos apresenta não é somente o<br />

ritmo simples de um acontecimento, é ao mesmo tempo todo o seu acompanhamento e o<br />

seu reflexo, que se projeta de diferentes lados. Compare-se, por exemplo, Édipo e Rei<br />

Lear. Lá, nada mais que a pura melodia do acontecimento, ao passo que aqui, ao destino<br />

do rei Lear repelido pelas filhas, se opõe a história de um filho repelido pelo pai, e<br />

assim, a cada momento singular do todo, novamente se opõe um outro momento, que o<br />

acompanha e reflete. 100<br />

99 SCHELLING, F.W.J. Filosofia da arte. São Paulo: Edusp, 2001.<br />

100 SCHELLING, op. cit., pp. 157-158.

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