Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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que as obscuridades de um mundo de imagens aleatórias ameaçavam desagregar a<br />
harmonia dos Universais e abrissem caminho para as disfunções subjetivas. 85 Em<br />
muitos aspectos suas teorias a respeito do sonho e da memória buscavam uma<br />
materialidade inconcebível à leveza de imagens volitivas. Paradigmática neste sentido<br />
foi a utilização metafórica da impressão do selo em cera amolecida para exemplificar a<br />
maior ou menor força das recordações. 86 Levando-se em conta os fatores expostos até<br />
aqui, as abordagens tanto da poética como da pneumática aristotélicas aproximavam-se<br />
por privilegiarem a ação e diminuírem a atuação do caráter nos compósitos. Porém,<br />
sobreviveram como sistemas estanques, sem ligação vigorosa o suficiente para que o<br />
pensamento se visse refletido na arte ou que a arte se produzisse conforme as<br />
necessidades de fruição do pensamento.<br />
Talvez os manuais de retórica antiga sejam mais generosos no achado deste tipo<br />
de correspondências do que a poética aristotélica. Ali se procurou assumidamente<br />
conformar o discurso ao fluxo prazeroso da imaginação. Isto se torna mais relevante por<br />
ser a fantasmagoria tanto uma figura de linguagem como um procedimento de<br />
associação discursiva, algo totalmente integrado ao âmbito da eloqüência. Certamente a<br />
preocupação da matéria com o máximo aproveitamento da mensagem por parte do<br />
público ouvinte fazia com que as palavras corressem casadas com a atenção e as<br />
alterações nos humores do público ditassem as regras do estilo.<br />
No Retórica a Herênio, possivelmente composto entre 86 e 82 a.C., entre as<br />
qualidades que o bom orador deveria ter estava a DISPOSIÇÃO, ordenação e<br />
distribuição das coisas verossímeis ou verdadeiras em cada lugar do discurso. 87 Uma<br />
85 “Por conseguinte, aquilo que é denominado ‘intelecto da alma’(digo ‘intelecto’ quando me refiro àquilo<br />
pelo qual a alma pensa discursivamente e pode conceber) não poderá, nos seres, ser outra coisa senão em<br />
acto antes de pensar. Eis, pois, a razão por que já não é possível afirmar-se que um princípio se encontra<br />
como que ‘mesclado’ com o corpo (...). Além disso, existe alguma razão em afirmar que a alma é o<br />
domicílio das formas, conquanto se ressalve não ser toda a alma, mas apenas a alma intelectiva e, ainda,<br />
não serem as ditas formas em enteléquia mas, antes, em potência”. Aristóteles. Da alma. Lisboa: Edições<br />
70, s\d, p. 101.<br />
86 “Na sensualíssima psicologia da memória aristotélica, a memória contém imagens do que nela entra por<br />
intermédio dos sentidos. Mais que Platão, Aristóteles salienta o aspecto fisiológico da memória. Pode-se<br />
dizer que Aristóteles dá à metáfora da placa de cera, que em Platão ainda é uma imagem lúdica, um<br />
sentido mais literal. Algo fica realmente impresso no corpo, uma impressão com características<br />
psicológicas, um vestígio material(...). Os filósofos pré-socráticos já haviam apresentado hipóteses sobre<br />
o substrato físico dos vestígios materiais. Parmênides afirmava que a recordação correspondia um padrão<br />
de luz e calor, escuridão e frio, e que qualquer distúrbio desse padrão apaga a memória. Diógenes de<br />
Apolônia presume que as memórias estão contidas em determinada parte das vias respiratórias do corpo;<br />
assumiu como indício o fato de que as pessoas dão um suspiro de alívio quando finalmente se lhes ocorre<br />
algo que estavam tentando lembrar”. DRAAISMA, Douwe. Metáforas da memória – uma história das<br />
idéias sobre a mente. São Paulo: Edusc, 2005, p. 51.<br />
87 CÍCERO. Retórica a Herênio. São Paulo: Hedra, 2005, pp. 169-171.