10.05.2013 Views

Capítulo 04.pdf - PUC Rio

Capítulo 04.pdf - PUC Rio

Capítulo 04.pdf - PUC Rio

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

219<br />

prevaleceu um empenho de valorizar a fábula, que Aristóteles chamou de “reunião de<br />

ações”. Aqui se obteve uma visão de organismo artístico exterior às necessidades da<br />

mente, já que na Grécia a potência de criação artística espelhava as potências da criação<br />

da natureza. 82 Talvez por isto, no entender do filósofo, as características individuais de<br />

cada personagem pouco acrescentavam ao fluxo constante de ações dadas pela tragédia:<br />

O mais importante é a maneira como se dispõem as ações, uma vez que a tragédia não é<br />

imitação de pessoas e sim de ações, da vida, da felicidade, da desventura; mas felicidade<br />

e desventura estão presentes na ação, e a finalidade da vida é uma ação, não uma<br />

qualidade. Os homens possuem diferentes qualidades, de acordo com o caráter, mas são<br />

felizes ou infelizes de acordo com as ações que praticam. Assim, segue-se que as<br />

personagens, na tragédia, não agem para imitar os caracteres, mas adquirem os<br />

caracteres para realizar as ações. Desse modo, as ações e a narrativa constituem a<br />

finalidade da tragédia e, de tudo, a finalidade é o que mais importa. 83<br />

Aristóteles também nutria sérias reservas com relação ao interrompimento da<br />

trama para a inserção dos sonhos ou qualquer artifício fragmentador do andamento da<br />

ação, como deixou claro em seu comentário sobre o uso do deus ex maquina:<br />

Não se deve utilizar o deus ex machina senão para eventos fora do drama, ou<br />

acontecidos no passado, ou que ao homem não seja dado conhecer, ou com ocorrência<br />

no futuro e que por isso requerem predição ou prenúncio; isso porque atribuímos aos<br />

deuses o dom de tudo ver. Também não se deve recorrer ao irracional, no<br />

desenvolvimento das ações; mas, se acontecer, que fique fora do drama, como no Édipo<br />

de Sófocles. 84<br />

Interessante destacar que mesmo nas obras específicas a respeito da alma e de<br />

suas faculdades vai prevalecer em Aristóteles a integridade da ação, ou seja, para ele a<br />

alma se realizavava na espera circunspecta de uma potência e numa atividade integrada<br />

ao movimento do corpo. Sua abordagem anímica e indivisível do ser recusara tudo o<br />

que fragmentasse a inteireza do ato, incluindo aí o ato de pensar. Assumiu a diversidade<br />

das faculdades – a imaginação, o intelecto, a memória –, porém recuou no momento em<br />

82 “Água, ar, terra, fogo. Há algum tempo ouvi de um colega a observação arguta de que os gregos, ao<br />

considerarem esses quatro elementos como constitutivos do universo, pensavam fazer cosmogonia<br />

quando, na verdade, faziam poesia. Provavelmente não seria necessário por cosmogonia na poesia, mas<br />

perceber que, para o espírito grego, os processos cosmogônicos são, essencialmente, movimentos<br />

Po(i)éticos. Com efeito, só a partir de uma visão poética do mundo, implícita na própria raiz da palavra<br />

phýsis, é que o pensamento grego pôde descobrir sua vertente principal: como conciliar a mudança com a<br />

permanência, o que fez enveredar pela reflexão a respeito dos processos de transformação. Do mesmo<br />

modo que phýein expressa essa potencialidade transformadora no âmbito dos fenômenos naturais ( ou<br />

natura naturans ), poeîn remete à mesma potência na esfera das criações humanas”. BRANDÃO, op. cit.,<br />

p. 11.<br />

83 ARISTÓTELES. Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999, p 44.<br />

84 ARISTÓTELES, op. cit., p. 55.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!