Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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prevaleceu um empenho de valorizar a fábula, que Aristóteles chamou de “reunião de<br />
ações”. Aqui se obteve uma visão de organismo artístico exterior às necessidades da<br />
mente, já que na Grécia a potência de criação artística espelhava as potências da criação<br />
da natureza. 82 Talvez por isto, no entender do filósofo, as características individuais de<br />
cada personagem pouco acrescentavam ao fluxo constante de ações dadas pela tragédia:<br />
O mais importante é a maneira como se dispõem as ações, uma vez que a tragédia não é<br />
imitação de pessoas e sim de ações, da vida, da felicidade, da desventura; mas felicidade<br />
e desventura estão presentes na ação, e a finalidade da vida é uma ação, não uma<br />
qualidade. Os homens possuem diferentes qualidades, de acordo com o caráter, mas são<br />
felizes ou infelizes de acordo com as ações que praticam. Assim, segue-se que as<br />
personagens, na tragédia, não agem para imitar os caracteres, mas adquirem os<br />
caracteres para realizar as ações. Desse modo, as ações e a narrativa constituem a<br />
finalidade da tragédia e, de tudo, a finalidade é o que mais importa. 83<br />
Aristóteles também nutria sérias reservas com relação ao interrompimento da<br />
trama para a inserção dos sonhos ou qualquer artifício fragmentador do andamento da<br />
ação, como deixou claro em seu comentário sobre o uso do deus ex maquina:<br />
Não se deve utilizar o deus ex machina senão para eventos fora do drama, ou<br />
acontecidos no passado, ou que ao homem não seja dado conhecer, ou com ocorrência<br />
no futuro e que por isso requerem predição ou prenúncio; isso porque atribuímos aos<br />
deuses o dom de tudo ver. Também não se deve recorrer ao irracional, no<br />
desenvolvimento das ações; mas, se acontecer, que fique fora do drama, como no Édipo<br />
de Sófocles. 84<br />
Interessante destacar que mesmo nas obras específicas a respeito da alma e de<br />
suas faculdades vai prevalecer em Aristóteles a integridade da ação, ou seja, para ele a<br />
alma se realizavava na espera circunspecta de uma potência e numa atividade integrada<br />
ao movimento do corpo. Sua abordagem anímica e indivisível do ser recusara tudo o<br />
que fragmentasse a inteireza do ato, incluindo aí o ato de pensar. Assumiu a diversidade<br />
das faculdades – a imaginação, o intelecto, a memória –, porém recuou no momento em<br />
82 “Água, ar, terra, fogo. Há algum tempo ouvi de um colega a observação arguta de que os gregos, ao<br />
considerarem esses quatro elementos como constitutivos do universo, pensavam fazer cosmogonia<br />
quando, na verdade, faziam poesia. Provavelmente não seria necessário por cosmogonia na poesia, mas<br />
perceber que, para o espírito grego, os processos cosmogônicos são, essencialmente, movimentos<br />
Po(i)éticos. Com efeito, só a partir de uma visão poética do mundo, implícita na própria raiz da palavra<br />
phýsis, é que o pensamento grego pôde descobrir sua vertente principal: como conciliar a mudança com a<br />
permanência, o que fez enveredar pela reflexão a respeito dos processos de transformação. Do mesmo<br />
modo que phýein expressa essa potencialidade transformadora no âmbito dos fenômenos naturais ( ou<br />
natura naturans ), poeîn remete à mesma potência na esfera das criações humanas”. BRANDÃO, op. cit.,<br />
p. 11.<br />
83 ARISTÓTELES. Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999, p 44.<br />
84 ARISTÓTELES, op. cit., p. 55.