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Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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moderna”. Ou seja, misturar a tendência de “copiar a natureza com fidelidade” da<br />

última e as “imaginações e improbabilidades” da primeira. E completava, mais adiante:<br />

Desejoso de deixar os poderes da fantasia livres para expandirem-se por meio dos<br />

espaços ilimitados da invenção, criando, desse modo, situações mais interessantes, ele<br />

desejava conduzir os mortais agentes de seu drama de acordo com as leis da<br />

probabilidade. 77<br />

O escritor inglês do século XVIII dava à fantasia um poder de se expandir<br />

através da trama, um poder extensivo, capaz de alinhavar as situações mais<br />

interessantes. As “leis da probabilidade” citadas de passagem por Walpole para<br />

incrementar teoricamente a ficção gótica provavelmente baseavam-se na leitura de<br />

Hume, em cuja Parte III, seção VI, do Primeiro Livro de seu tratado, dissertara sobre a<br />

probabilidade e a idéia de causa e efeito. Em determinado momento da tese afirmou<br />

que, por não se aplicar na relação de idéias “enquanto tais”, porém na de objetos, a<br />

probabilidade fundava-se nas impressões da memória e dos sentidos. “Se não houvesse<br />

alguma impressão misturada a nossos raciocínios prováveis, a conclusão seria<br />

inteiramente quimérica”, concluía. 78<br />

Oitenta anos depois, do outro lado do oceano Atlântico, um negro brasileiro<br />

chamado Teixeira e Souza publicou A filha do pescador, também sugestionado pelas<br />

conexões estético-cognitivas próprias ao desenvolvimento de um sintagma misto. Nos<br />

comentários do narrador implícito, que por vezes interrompia a trama, colocou algumas<br />

apreciações em cujas entrelinhas a concepção estética do autor ficou evidente:<br />

Nós não deparamos nesta carta senão com palavras habilmente coladas, formando um<br />

agradável estilo, em cuja forma há um pouco de eloqüência sentimental, que faz<br />

aparecer em nossa alma uma como suave melancolia, que nos obriga a simpatizar com o<br />

seu autor. Mas quem sabe se nessa melancólica eloqüência haverá uma cadeia de<br />

pressentimentos, produção de um desses divinos instantes, puramente psicológicos, em<br />

que parece que nossa alma desquitada da matéria, toda embebida na sublimidade de<br />

suas próprias perfeições, estende uma vista profética pela vasta amplidão de remotos<br />

futuros? Quem sabe quantas vezes teremos, sem o saber, vaticinado o nosso distante<br />

porvir? Oh! Pode muito bem ser; tão poucos mistérios não têm a natureza em seu<br />

imenso seio. 79<br />

77 WALPOLE, Horace. O castelo de Otranto. São Paulo: Nova Alexandria, 1994, p. 20.<br />

78 HUME, Tratado da Natureza Humana, pp. 101-106.<br />

79 SOUSA, Teixeira e. O filho do pescador. São Paulo: Editora Melhoramentos, 1997, p.98.

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