Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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Macedo, Gonçalves de Magalhães, Machado de Assis. Os mais eminentes membros do<br />
Império cercando a figura do Imperador D. Pedro II aguardavam.<br />
Diante do púlpito vazio, o autor de Ao correr da pena evocou a imagem de<br />
pregadores como Sampaio, S. Carlos e Januário, que brilharam outrora nos estrados<br />
daquela mesma capela, sob os auspícios das autoridades reais. Fez com que o coro dos<br />
fiéis fosse repercutindo lentamente, “que os últimos ecos dos cânticos sagrados”<br />
viessem a se perder no fundo dos corredores e serem tragados, enfim, pelo silêncio de<br />
um vulto assomando lentamente pelas arcadas da nave. Um velho quase calvo, cego, de<br />
hábito franciscano, braços magros, então, chegou, ajoelhou-se murmurando uma oração,<br />
ergueu a cabeça e, enfim, projetou a voz potente na direção do público.<br />
O braço descarnado abriu um gesto decisivo; os lábios, quebrantando o silêncio<br />
de vinte anos, lançaram aquela palavra sonora, que encheu o recinto, e que foi acordar<br />
os ecos adormecidos de outros tempos.<br />
Fr. Francisco de Monte Alverne pregava! Já não era um velho cego, que a<br />
desgraça e a religião mandavam respeitar. Era o orador brilhante, o pregador sagrado,<br />
que impunha a admiração com a sua eloqüência viva e animada, cheia de grandes<br />
pensamentos e de imagens soberbas. 7<br />
O que Alencar preparou com tantas sombras e mal dissimulado suspense foi a<br />
aparição de um fantasma. Monte Alverne parecia trazer com ele a evocação de uma<br />
época perdida. Sua figura esquálida, conforme se iluminava, ia fundindo o tempo de D.<br />
João VI com o presente imperial encarnado na figura de D. Pedro II, pigmentando a<br />
atmosfera com o sentimento cálido da reminiscência. A esta imagem espectral,<br />
dissolvente, quase um motivo de ficção gótica, recorriam todos para os quais o<br />
franciscano tinha ainda algum apelo literário. “Vêde-o no fundo de uma cela sombria e<br />
humilde, pálido e abatido pela idade e pelos sofrimentos; vede-o ali, com a mais severa<br />
humildade”, ainda voltaria uma vez mais o jovem Machado de Assis ao tema no<br />
Marmota Fluminense de 4 de setembro de 1856.<br />
Falai-lhe, procurais ouvir-lhe aquela voz eloqüente e poderosa, ouvi-lhe aquelas frases,<br />
pesai bem a sublimidade de sua linguagem; e se quando penetrastes naquele retiro,<br />
levastes o ceticismo no coração, trareis, no sair dele a crença e a fé, porque a eloqüência<br />
daquele homem sagrado convence ao cético da existência de Deus, e planta a fé na alma<br />
do ateu! 8<br />
7<br />
ALENCAR, op. cit., p. 59.<br />
8<br />
ASSIS, Machado de. Dispersos de Machado de Assis. <strong>Rio</strong> de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura,<br />
1965, p. 34.