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Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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216<br />

Enfim, Hume colou os mosaicos da obra de arte sobre a dinâmica perceptiva, de<br />

modo que em meados do século XVIII filósofos menores como Hemsterhuis já se<br />

expressavam de forma explícita sobre o acabamento, a organicidade, de qualquer<br />

criação artística em função das faculdades humanas:<br />

Vimos que é por meio da ligação sucessiva das partes do objeto que a alma adquire a<br />

primeira idéia distinta do objeto. Cabe aqui acrescentar que, além disso, a alma tem a<br />

faculdade de reproduzir a idéia do objeto, e essa reprodução, que ocorre na alma,<br />

realiza-se de maneira inteiramente contrária à produção da idéia pelo objeto: esta surge<br />

da sucessão contínua das partes integrantes do objeto, enquanto a primeira surge num<br />

instante, na forma de um todo sem sucessão de partes; e isso ocorre de tal maneira que,<br />

se quiser efetivar a idéia reproduzida por meio da pintura, da escultura ou da poesia,<br />

deverei dividi-la em partes sucessivas que representem um todo. Não é difícil perceber<br />

que essa longa manobra reduz consideravelmente o esplendor da idéia. Enfim, um<br />

grande número de exemplos tomados entre oradores, poetas, pintores, escritores e<br />

músicos demonstra que as coisas que consideramos grandes, sublimes e de bom gosto<br />

são, na verdade, grandes todos onde as partes são tão artisticamente compostas que a<br />

alma é capaz de ligá-los num só momento, sem qualquer dificuldade. 76<br />

Estas apreciações aparentemente distanciadas da obra em si poderiam supor uma<br />

percepção alheia às intenções do artista se a fórmula associativa retirada dos tratados já<br />

não fizesse parte de composições pensadas a partir das relações entre estética e teoria do<br />

conhecimento. Por pudores e preconceitos, Hemstehuis, assim como Hume e outros<br />

filósofos clássicos, desprezou os expressivos exercícios formais realizados por<br />

escritores de ficções em prosa, que em sua época decompunham, juntavam e<br />

entregavam aos leitores histórias acabadas para enriquecer o ócio. Talvez objetivando o<br />

desvio momentâneo da atenção ao prazer com que se entregariam às licenciosidades<br />

proporcionadas pela escritura, os romancistas envergonhados de então realizavam<br />

longos prólogos, às vezes mais de um, nos quais revelavam os motivos da prática<br />

libertina antes do desavisado ataque de um crítico mais virulento. Intentavam com isto<br />

umidecer levemente as folhas impressas com discursos aliciantes para se precaverem de<br />

futuras icinerações verbais, fulminantes para almas por demais suscetíveis.<br />

Horace Walpole, instigado pela boa acolhida da primeira edição de sua obra de<br />

horror gótico, O castelo de Otranto, veio a público agradecer os leitores e, agora<br />

desavergonhadamente, revelar os segredos da feitura de trama tão agradável ao gosto.<br />

Segundo ele “foi uma tentativa de mesclar duas formas de romance, a antiga e a<br />

76 HEMSTERHUIS. Sobre os homens e suas relações. São Paulo: Iluminuras, 2000, p. 26.

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