Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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Sua relação com as questões de ordem psicológica construiu uma base sólida<br />
para a organização das artes seqüenciais. Em um outro momento, utiliza o fenômeno<br />
artístico para a criação de figuras de linguagem capazes de ilustrar o fenômeno<br />
perceptivo:<br />
Os nossos olhos não podem girar nas suas órbitas sem variarem as nossas percepções. O<br />
nosso pensamento é ainda mais variável do que a nossa vista; todos os nossos outros<br />
sentidos e todas as nossas outras faculdades contribuem para esta mudança; talvez não<br />
haja um único poder da alma que fique invariavelmente idêntico um único momento. O<br />
espírito é uma espécie de teatro em que diversas percepções fazem sucessivamente a sua<br />
aparição; passam, voltam a passar, deslizam incessantemente e misturam-se numa<br />
infinita variedade de condições e situações. 73<br />
Bastava um jogo de olhos para que a figura de linguagem se tornasse a base<br />
mesma da organização narrativa. Ao invés de dizer que o “espírito é uma espécie de<br />
teatro em que diversas percepções fazem sucessivamente a sua aparição”, podia-se<br />
reputar aos muitos atos presentes numa peça sua forma eminentemente espiritual; os<br />
muitos capítulos presentes em uma romance à necessidade manifesta da imaginação<br />
criativa de compor as partes num todo, seja harmônico ou não.<br />
E, realmente, dez anos mais tarde, no momento em que pretendeu revisar o<br />
Tratado da natureza humana para tornar mais palatável os conceitos envolvidos em sua<br />
leitura, pôde colher exemplos vivos de seu pensamento nas artes narrativas de real valor<br />
estético. Hume citou autores modernos como Voltaire, cuja peça La Henriade foi<br />
criticada pela rapidez com que os cenários e ações se sucediam, e Milton, porém deixou<br />
de fora as reviravoltas emocionais do romance de suas rápidas apreciações estilísticas. 74<br />
Na Seção 3 (Da associação de idéias) do Investigações sobre o entendimento humano e<br />
sobre os princípios da moral desenvolveu algumas observações iniciadas por<br />
Aristóteles a respeito da recepção dos gêneros trágico e épico. Neste último, a<br />
extravasão das paixões e da imaginação por parte do público tinha como causa a<br />
concisão da narrativa e a conexão cerrada e perceptível entre os eventos. Para o filósofo<br />
escocês:<br />
A forte conexão entre os acontecimentos, ao facilitar a passagem do pensamento ou<br />
imaginação de um para outro, também facilita a transição das paixões e mantém as<br />
afecções no mesmo canal de direção. Nossa simpatia e preocupação por Eva preparam o<br />
caminho para uma simpatia semelhante por Adão: a afecção se preserva quase<br />
inteiramente na transição e a mente apreende imediatamente o novo objeto como<br />
fortemente relacionado ao que anteriormente atraía sua atenção. 75<br />
73 HUME, Tratado da natureza humana, p. 285.<br />
74 HUME, Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral, op. cit., p. 47.<br />
75 Idem, pp. 47-48.