Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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filósofo inglês sentia um travo na língua sempre que se dispunha a apreciar os vôos<br />
gnosiológicos para além das normas dadas na reflexão. Aceitava o encadeamento das<br />
idéias produzido pelo espírito 65 , mas diferenciava o “juízo” do “engenho”, sendo este<br />
último “uma reunião de várias idéias, juntando, com prontidão e variedade, aquelas que<br />
apresentem alguma semelhança ou congruência, produzindo assim quadros aprazíveis e<br />
visões agradáveis à imaginação”. Apesar da simpatia às inofensivas engenhosidades da<br />
mente, considerava acintoso examinar este tipo de pensamento com as regras severas da<br />
verdade e do bom raciocínio. Neste sentido, aproximava-se de inatistas convictos, como<br />
Leibniz, que renegava o estatuto epistemológico de qualquer fruição figurativa:<br />
só a razão é capaz de estabelecer regras seguras e de completar as que não são (...) e de<br />
encontrar, finalmente, relações certas, com toda a força das deduções necessárias, que<br />
proporcionam o meio de prever o acontecimento sem ter necessidade de experimentar as<br />
relações sensíveis das imagens, as quais as bestas se vêem reduzidas, de sorte que o que<br />
justifica os princípios internos das verdades necessárias é também o que distingue o<br />
homem da besta. 66<br />
Tanta atenção para com o movimento de imagens de um lado para outro da<br />
mente justifica-se por ser a fantasmagoria, como mostramos na introdução deste estudo,<br />
mais do que uma figura, mas um modo de organizá-la sintagmaticamente. Seu sentido<br />
etimológico por si só leva a este tipo de referência – projeções óticas sobre trilhos ou<br />
rodas, desenhos ambulantes. Quem aceita o desafio de estabelecer algumas noções<br />
fundamentais de sua estampa fugidia achará matéria bem mais sugestiva ao tentar<br />
entende-la dentro do âmbito do discurso, ainda que o levantamento temático – os temas<br />
apropriados ao fantástico – seja um caminho promissor para os estabelecimentos dos<br />
índices da expressão figurativa. Ali, nas inconstâncias do móvel, quebraram-se as<br />
convenções do enquadramento fixo, sem arestas nem desvãos, dentro dos quais as<br />
alegorias barrocas cumpriam sua missão retilínea. Nesta conjuntura associativa própria<br />
aos princípios de instauração de uma linguagem visual, de uma estética anímica, casada<br />
à desestabilização do “quadro”, os fantasmas saltaram pelas brechas produzidas nos<br />
desencaixes da cadeia racional. Estes conceitos ficarão mais claros na medida em que o<br />
65<br />
“Há além dessas, uma outra idéia que, embora também sugerida pelos sentidos, é, contudo, oferecida<br />
mais constantemente pelo que se passa nos nossos espíritos: a idéia de sucessão. Porque, se de um modo<br />
imediato nos vemos por dentro a nós mesmos e refletimos sobre o que aí se pode observar, verificaremos<br />
que, se estamos acordados ou se estamos a pensar, as nossas idéias vão continuamente passando em<br />
cadeia, de modo que, quando desaparece uma, surge imediatamente outra”. Idem, p. 151.<br />
66<br />
LEIBNIZ, G.W. Nuevos ensayos sobre el entendimiento humano. Madrid: Alianza Editorial, 1992, p.<br />
39.