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Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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211<br />

dos capítulos do livro, contrapôs as idéias reais (baseadas em efeitos constantes e<br />

semelhanças exatas) com as fantásticas (fora dos padrões conhecidos) produzidas no<br />

interior dos modos mistos, capazes de unir em um só corpo as informações mais<br />

díspares e as analogias mais bizarras – caso se fugisse aos compostos urdidos pela<br />

reflexão. Nada era mais inadmissível e desconcertante para o filósofo inglês do que a<br />

liberdade com que, por vezes, a mente entregava-se às extravagantes imagens tiradas de<br />

sua inquietante atividade.<br />

Se esta (idéia) estivesse completamente separada de todas as nossas sensações externas<br />

e de todos os nossos pensamentos internos, não teríamos nenhum motivo para preferir<br />

um pensamento a outro, uma ação a outra; para preferir, por exemplo, a negligência à<br />

atenção, ou o movimento ao repouso. De tal modo que nem moveríamos os nossos<br />

corpos, nem ocuparíamos a mente, mas deixaríamos que os nossos pensamentos<br />

(permita-se-me a expressão) corressem à deriva, sem nenhuma direção nem propósito, e<br />

permitiríamos que as idéias da nossa mente, quais sombras inadvertidas, nela se<br />

apresentassem consoante fossem ocorrendo, sem que lhes prestássemos nenhuma<br />

atenção. Num tal estado, o homem, embora dotado das faculdades do entendimento e da<br />

vontade, seria uma criatura muito ociosa inativa e passaria o tempo mergulhado num<br />

preguiçoso e letárgico sonho. 63<br />

Aliás, assim como muitos pensadores empíricos de sua época, Locke<br />

tergiversava no momento de adentrar o mundo dos sonhos e não conseguia atinar a<br />

respeito de uma atividade para a qual nem a sensação, nem a reflexão, estivessem<br />

presentes para produzir e organizar as imagens. 64 Este aspecto de sua pesquisa decorria<br />

dos próprios limites impostos por uma aplicação muito ortodoxa do empirismo sobre os<br />

recursos da mente, criando substratos cuja rigidez por vezes obrigava a figura reflexiva<br />

a manter o porte de um hieróglifo.<br />

Mesmo evitando ao máximo utilizar o fluxo mucoso de espíritos animais para<br />

dar conta da dinâmica imaginativa – como fizera Descartes em As paixões da alma –, o<br />

jamais existiu, como alguns concebem o entendimento de Deus antes de ter criado as coisas (percepção<br />

que seguramente não pôde provir de nenhum objeto) e que dessa percepção o entendimento deduziu<br />

legitimamente outras, todos esses pensamentos seriam verdadeiros e não seriam determinados por<br />

nenhum objeto exterior, mas dependeriam unicamente do poder e da natureza do entendimento. É por isso<br />

que aquilo que constitui a forma do pensamento verdadeiro deve ser procurado nesse próprio pensamento<br />

e ser deduzido da natureza do entendimento”. SPINOZA, Baruch. Tratado da reforma do entendimento.<br />

São Paulo: Editora Escala, 2007, p. 67.<br />

63<br />

LOCKE, John. Ensaio sobre o entendimento humano – Vol. 1. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,<br />

1999, p. 148.<br />

64<br />

“A meu ver, os sonhos de um homem adormecido compõem-se com as idéias do homem acordado,<br />

embora na sua maior parte unidos de estranho modo. E, se a alma tem idéias próprias que não tirou da<br />

sensação nem da reflexão (supondo que ela pense antes de receber qualquer impressão do corpo), é<br />

estranho que, no seu pensar privado (tão privado que nem o próprio homem dele se apercebe), nunca<br />

retenha qualquer dessas idéias no momento exato em que delas desperta e, desse modo, proporcione ao<br />

homem o prazer de novas descobertas”. LOCKE, op. cit., p. 12.

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