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Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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210<br />

certamente deixavam pouca margem para o trânsito de fantasmas, porém, se pode notar<br />

nos esforços teóricos de abarcar os mecanismos da mente as imagens esquivas,<br />

denunciadoras das incongruências do projeto estético iluminista.<br />

Ernst Cassirer em A filosofia das formas simbólicas – a linguagem, alinhando os<br />

muitos filósofos que pensaram o tema numa perspectiva temporal, notou que, ao tomar<br />

para si a responsabilidade de individualizar o código da percepção, o empirismo rompeu<br />

o elo até então indissolúvel entre “verdade” e “realidade”. Tudo aquilo que dava a<br />

coesão ideal de uma harmonia pré-estabelecida, amarrava “o domínio das verdades<br />

necessárias e universalmente válidas e o reino do ser particular, factual”, quedou<br />

suspenso nas entrelinhas do inominável. 60 Não que os grandes teóricos do<br />

conhecimento quisessem simplesmente abolir os princípios de sustentação do mundo<br />

conhecido, muito pelo contrário. Quem lê qualquer destes tratados sente um esforço<br />

conceitual tremendo para se manter as correspondências mundanas do pensado e, por<br />

isto mesmo, por ser esforço, os relaxamentos do discurso acabaram tornando o refluxo<br />

das sombras mais notáveis. “A idade do semelhante está fechando-se sobre si mesma”,<br />

diria Foucault em prosseguimento às observações pioneiras de Cassirer:<br />

No começo do século XVII, nesse período que, com razão ou não, se chamou barroco, o<br />

pensamento cessa de se mover no elemento da semelhança. A similitude não é mais<br />

forma do saber, mas antes a ocasião do erro, o perigo ao qual nos expomos quando não<br />

examinamos o lugar mal esclarecido das confusões. (...) Doravante as belas figuras<br />

rigorosas e constringentes da similitude serão esquecidas e se tornarão os signos que as<br />

marcavam por devaneios e encantos de um saber que ainda não se tornara razoável. 61<br />

Para confirmar o processo de desmanche da concretude do mundo, basta acessar<br />

diretamente as fontes sistematizadoras do pensamento empírico. No livro fundamental,<br />

Ensaio sobre o entendimento humano, ao tempo que Locke afirmava a completa<br />

correspondência das “idéias simples” com a realidade exterior, impressas na mente<br />

através da sensação, ficava sem palavras para fixar as relações entre as figuras, haja<br />

vista a extrema mobilidade do pensamento na hora de exercer suas faculdades. 62 Em um<br />

60<br />

CASSIRER, Ernst. A filosofia das formas simbólicas – a linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001,<br />

p.108.<br />

61<br />

FOUCAULT, Michel. A palavra e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 70.<br />

62<br />

Spinoza merecia um espaço maior do que uma simples nota, porém, desviaríamos demais dos livros<br />

canônicos da teoria do conhecimento ao inseri-lo no meio da discussão. Para os objetivos da tese, basta<br />

apontar a importância de seu pequeno ensaio Tratado da reforma do entendimento(1661) para a<br />

valorização dos estudos sobre a percepção. Num trecho bastante inspirador, deixou as seguintes palavras:<br />

“ por isso é que a forma do pensamento verdadeiro deve estar situada no próprio pensamento sem relação<br />

com outros pensamentos; e não reconhece como causa um objeto, mas deve depender do próprio poder e<br />

da natureza do entendimento. Com efeito, se supusemos que o entendimento percebeu um novo ser, que

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