Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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críticos chamavam a atenção para as miudezas descritivas do cotidiano presentes no<br />
romance, suas palavras cavavam dentro de seu próprio ser os compartimentos através<br />
dos quais os escritores conduziriam os espectros fugitivos da mente. No prefácio da<br />
Select collection of novels and histories( 1720), Samuel Croxall observou que<br />
Aquelas descobertas que envolvem e possuem (a mente) da maneira mais eficaz são<br />
obtidas sem o menor esforço, a imaginação tem a maior parte e o assunto é evidente a<br />
nossos sentidos(...) E assim são as narrativas de ficção, que devem ser compreendidas<br />
sem grande esforço da mente ou o exercício de nossa faculdade racional e onde será<br />
suficiente uma forte fantasia, com pouco ou nenhum ônus para a memória. 58<br />
Mais ou menos na mesma época, Mostesquieu deixou algumas pequenas<br />
anotações sobre arte que mais tarde seriam publicadas no VII tomo da Enciclopédia, em<br />
1757, valiosas por ajudarem a perceber a orientação das estruturas artísticas em função<br />
da dinâmica perceptiva:<br />
Não basta mostrar muitas coisas à alma: é preciso fazê-lo numa ordem, pois assim nos<br />
lembramos do que vimos e começamos a imaginar o que veremos; a alma assim se<br />
felicita por sua amplitude e sua capacidade de penetração. Numa obra onde não exista<br />
ordem, a todo instante a alma sente perturbar-se a ordem que ela ali quer introduzir. A<br />
seqüência que o autor preparou e aquela que na obra imaginamos, confundem-se: desse<br />
modo a alma nada retém, nada prevê; sente-se humilhada com a confusão de suas idéias,<br />
com a inanidade em que se percebe; fatiga-se em vão e não degusta prazer algum: é por<br />
isso que, quando o objetivo não é o de expressar ou mostrar a confusão, sempre se<br />
introduz ordem mesmo na confusão. 59<br />
Tanta preocupação em amarrar o discurso numa ordem prévia, tirada<br />
diretamente da natural disposição da alma de seguir escorreitamente através da linha<br />
narrativa, em nada tolheu o desnorteamento fragmentário subjacente ao texto. Rumores<br />
de confusão perturbadora chegavam à artificiosa harmonia das palavras e se podia ouvilos<br />
repercutindo na fórmula proposta por Montesquieu. Se atentarmos para as utopias<br />
racionalistas levadas ao limite pela estética clássica, chegaremos à noção de um<br />
idealismo muito mais aferrado do que aquele defendido pela Escola de Yena, cuja<br />
extrema subjetividade aboliu de vez as contenções estilísticas para que as idéias<br />
confusas, enfim, mostrassem sua inteligibilidade. Compartimentos muito frontais<br />
Nessa tentativa de relacionar a psicologia empirista aos problemas estéticos encontramos já a tendência<br />
tanto a diminuir a ênfase na prescrição quanto a conciliar uma teoria centrada nos processos mentais com<br />
o princípio da imitação”. DOBRÁNSKI, Enid Abreu. No tear de Palas: imaginação e gênio no Séc.<br />
XVIII – uma introdução. São Paulo: Editora Unicamp, 1992, p.74.<br />
58 GUADINI, “A formação do romance inglês”, op. cit., p. 250.<br />
59 MONTESQUIEU. O gosto. São Paulo: Iluminuras, 2005, p.25.