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Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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207<br />

estará mais bem qualificado o artista que, além de um gosto refinado e uma rápida<br />

compreensão, possua um conhecimento exato da constituição interna, das operações do<br />

entendimento, do funcionamento das paixões e das várias espécies de sentimentos que<br />

discriminam entre vício e virtude. Por mais penosa que possa parecer essa busca ou<br />

investigação interior, ela se torna, em certa medida, um requisito para aqueles que<br />

pretendem ter êxito na descrição da aparência visível e exterior da vida e dos<br />

costumes. 53<br />

O radicalismo realista agiu de forma paradoxal na textura das coisas,<br />

aprofundando-as no bojo etéreo da imaginação. Certo que as utopias com relação a uma<br />

organização harmônica entre as naturezas do entendimento e do mundo permaneceram<br />

ativas no contexto de criação do romance moderno. Inegável a influência da mimesis<br />

aristotélica e da retórica clássica na urdidura de ações coerentes e de caracteres fixos,<br />

verdadeiros, mas as conseqüências de uma valorização paulatina da fantasia para o<br />

desenrolar da trama criaram os desvios nos quais afluiriam imagens menos sujeitas aos<br />

esquemas clássicos, e mais próximas a uma expressividade moderna. 54<br />

Sandra Guardini Vasconcelos, guardando os cuidados de admitir a importância<br />

do livro A ascensão do romance para a contextualização da prática discursiva, levou em<br />

conta contribuições mais discretas para a história do gênero, como a de Michael<br />

Mckeon, cujos estudos amenizaram o perfil realista da reconfiguração narrativa<br />

moderna com a abertura de uma zona de convergência para a qual até o romanesco<br />

encontrou acolhida. Em outro capítulo de suas lições sobre o romance inglês, Guardini<br />

prefere chamar o realismo de “efeito”, já que a obsessão dada na descrição do ambiente<br />

físico não seria garantia de verossimilhança. Prova disto estava no fato de muitos<br />

romances góticos, com forte apelo ao sobrenatural, realizarem um pacto realista muito<br />

mais eficiente com o leitor do que alguns volumes de artificiosos apelos descritivos,<br />

53<br />

HUME, David. Ivestigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral. São Paulo:<br />

Editora UNESP, 2004, p.24.<br />

54<br />

A dramaturgia e poética clássicas eram regidas por um aristotelimo radical, onde a mimesis passou a<br />

significar um modelo rígido de composição no qual a unidade de tempo, espaço e ação, uma<br />

caracterização dos personagens tendende ao geral e a uma representação basicamente da elite econômica<br />

mantinham o decoro de uma arte asséptica e fechada. O romance surgiu no momento em que se<br />

questionavam estes princípios estruturais, concomitante às exigências de um fazer artístico condizente<br />

com princípios mais próximos da trajetória burguesa. A valorização da subjetividade dissolveu as leis de<br />

uma mimética rígida e a emergência dos pequenos comerciantes ao centro do palco provocou uma maior<br />

contenção e intimidade do drama, antes construídos na emissão de diálogos grandiloqüentes. Para<br />

entender melhor as implicações da dissolução do conceito de mimesis no século XVIII, ler AUERBACH,<br />

Erich. Mimesis – a representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Edusp-Perspectiva,<br />

1971. LIMA, Luiz Costa. Vida e Mimesis. <strong>Rio</strong> de Janeiro: editora 34, 1995. MATOS, Franklin. O<br />

filósofo e o comediante – ensaios sobre literatura e filosofia na ilustração. Minas Gerais: Editora UFMG,<br />

2001.

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