Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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206<br />
Thomas Reid. 50 A preocupação do teórico inglês com a recepção do romance no<br />
momento em que nascia fez com que tomasse consciência de que esta busca de índices<br />
reflexivos do cotidiano realizava-se de forma consciente por parte dos escritores e da<br />
crítica jornalística inglesa do século XVIII. Nos prefácios introdutórios dos livros,<br />
geralmente escritos pelos próprios autores, e nas colunas jornalísticas de periódicos<br />
como Guardian, Spectator e Tatle, amplificavam-se o desejo por um discurso ficcional<br />
inspirado na realidade mais comezinha. Samuel Johnson, em ensaio escrito em 1850,<br />
somaria sua voz às afeições da época:<br />
As obras de ficção, que parecem deleitar particularmente a atual geração, são as que<br />
exibem a vida em seu verdadeiro estado, diversificada apenas por acidentes que<br />
acontecem diariamente no mundo e influenciada por paixões e qualidades que realmente<br />
podem ser encontradas nas conversas com a humanidade. 51<br />
Mormente o pioneirismo de Watt em mostrar o que estava por trás do<br />
“realismo”, palavra aparentemente tão positiva, sua preferência pela verve descritivista<br />
de autores como DeFoe, Richardson e Fielding, que aceitaram a premissa “de que o<br />
romance constitui um relato completo e autêntico da experiência humana e, portanto,<br />
tem a obrigação de fornecer ao leitor detalhes da história como a individualidade dos<br />
agentes envolvidos, os particulares das épocas e locais de suas ações” 52 , deixou escapar<br />
outras nuances presentes na plena acepção da palavra. Pois o aceite de uma prosa<br />
acomodada sobre a percepção do mundo conduziu aos órgãos capazes de captá-lo, e<br />
destes aos processos íntimos de tratamento e organização das imagens. Este salto<br />
especular da realidade objetiva ao modo de percebê-la constituiu um movimento de<br />
amplas repercussões estéticas, e o grau de consciência de críticos, escritores e filósofos<br />
com relação ao processamento interno das imagens levou ao polimento formal das<br />
ficções em prosa.<br />
Hume, certamente influenciado pelo ambiente de discussão em torno do<br />
“realismo” do romance, no seu livro Investigações sobre o entendimento humano e<br />
sobre os princípios da moral(1748) não poderia realizar afirmação mais embasada ao<br />
dizer que, para ter sucesso na descrição dos “retratos da vida humana em várias atitudes<br />
e situações”, característica das belas-letras,<br />
50<br />
WATT, op. cit., p. 19.<br />
51<br />
VASCONCELOS, Sandra Guardini. Dez lições sobre o romance inglês do século XVIII. São Paulo:<br />
Boitempo, 2002, p.27.<br />
52<br />
WATT, op. cit., p. 31.