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Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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formatação do romance, o papel de Monte Alverne para o assentamento das bases do<br />

romanceiro brasileiro adquiriram um aspecto bem mais relevante, mesmo a sua revelia,<br />

por ter sido o intelectual responsável pela divulgação dos princípios do “realismo<br />

filosófico” no Brasil. Conforme se pode observar em outros países, como a Inglaterra,<br />

por exemplo, o impulso em direção à literatura moderna decorreu de uma intensa rede<br />

de discussões em torno do novo estatuto do real, ou melhor, questões anteriormente<br />

restritas às especulações filosóficas passaram a integrar a dinâmica interna das ficções<br />

em prosa. Abastecidos com a leitura – ou simplesmente atingidos indiretamente por sua<br />

vulgarização – dos muitos ensaios e tratados sobre o entendimento humano publicados<br />

desde o século XVII, os escritores ingleses adquiriram experiência suficientemente<br />

sólida para dar vida aos fantasmas e organizá-los diante do olhar dos leitores. 48<br />

Estudos contemporâneos sobre a origem do romance vêm dando um destaque<br />

cada vez maior ao contexto em que o enfoque realista do mundo ganhou vulto,<br />

escondendo as sutilezas conceituais envolvidas na configuração da expressividade<br />

literária. Ian Watt observou os equívocos de um emprego não criterioso do “realismo”<br />

para contrapor as ficções em prosa modernas às antigas, enriquecendo-o ao estabelecer<br />

um contato epistemológico do modo narrativo com o sistema proposto pelos grandes<br />

teóricos do conhecimento.<br />

Por um paradoxo que só surpreenderá o neófito, o termo “realismo” aplica-se em<br />

filosofia estritamente a uma visão da realidade oposta à do uso comum – à visão dos<br />

escolásticos realistas da Idade Média segundo os quais as verdadeiras “realidades” são<br />

os universais, classes ou abstrações, e não os objetos particulares, concretos, de<br />

percepção sensorial. À primeira vista isso parece inútil, pois no romance, mais que em<br />

qualquer outro gênero, as verdades gerais só existem post res; entretanto a própria<br />

estranheza da posição do realismo escolástico serve pelo menos para chamar a atenção<br />

para uma característica do romance que é análoga ao atual significado filosófico do<br />

“realismo”: o gênero surgiu na era moderna, cuja orientação intelectual geral se afastou<br />

decisivamente de sua herança clássica e medieval rejeitando – ou pelo menos tentando<br />

rejeitar – os universais. 49<br />

Watt destacou as novas noções de tempo e espaço advindas com a centralização<br />

destas categorias no sujeito pensante, observando a influência do que chamou de<br />

“realismo filosófico”, nascido com o método de Descartes em “buscar a verdade como<br />

uma questão inteiramente individual, logicamente independente da tradição do<br />

pensamento”, exaurida com as discussões posteriores levadas por Locke, Hume e<br />

48 VASCONCELOS, Sandra Guardini. A formação do romance inglês. São Paulo: Editora Hucitec, 2007.<br />

49 WATT, Ian. A ascenção do romance. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 13.

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